Vítimas de afundamentos em Maceió viajam à Holanda em busca de justiça
Eles acompanharão audiência de processo contra a Braskem na Corte de Rotterdam, que pode decidir sobre danos morais e materiais pelo desastre
Cinco anos após os afundamentos de bairros em Maceió que deixaram milhares de alagoanos sem casa, um grupo de moradores da cidade está dando a volta ao mundo em busca de justiça pelos danos sofridos. As vítimas viajam à Holanda na quinta-feira, 15, para acompanhar a audiência de mérito de processo movido na Corte de Rotterdam contra a Braskem, petroquímica responsável pela exploração de minas de sal-gema que causou o desastre.
A ação foi movida em 2020 por nove pessoas afetadas pela tragédia, que reivindicam danos morais e materiais individuais da Braskem e suas entidades holandesas. “Em setembro de 2022, o tribunal confirmou a jurisdição do caso e, agora, será analisada a responsabilidade objetiva dos réus no desastre, entre outros elementos. Com o avanço do caso, temos mais 10 mil moradores interessados em processar a Braskem”, explica o advogado das vítimas, Tom Goodhead, do escritório Pogust Goodhead.
Maria Rosângela Ferreira da Silva é uma das autoras do processo que vai à Holanda para a acompanhar a sessão presencialmente. Nascida e criada no bairro do Pinheiro, ela culpa o desastre pela morte de sua mãe. Ela conta que viu a mãe entrar em depressão depois que foi obrigada a deixar a própria casa. “Estamos recorrendo aos tribunais holandeses porque, depois de Deus, essa é a nossa única esperança”, diz.
Segundo Maria Rosângela, as propostas de acordo recebidas na época do desastre foram muito baixas e sem possibilidade de negociação. “A Braskem determina as regras do jogo e, se não aceitarmos, não teremos escolha. Não há justiça no Brasil – estamos literalmente afundados, estamos arrasados, porque quem manda aqui é a Braskem, por isso recorremos à Holanda”, diz.
Considerado o maior desastre ambiental urbano em curso no país, o afundamento de diversos bairros da capital alagoana em 2018 destruiu milhares de casas e comércios, deixando buracos profundos, rachaduras e fissuras nos prédios e ruas da região. Em novembro de 2023, mais 5 tremores de terra ocorreram na região próxima da lagoa Mundaú, resultando numa cratera de quase 80m de comprimento.
Entrevista
A coluna conversou com o advogado e CEO do escritório PogustGoodhead, Tom Goodhead, explica detalhes da ação e como as vítimas chegaram a Holanda.
Quais são as alegações das vítimas que processam a Braskem na Holanda?
Tom Goodhead – Além dos valores irrisórios propostos pela empresa como compensação, as vítimas reclamam da pouca participação social na negociação das indenizações. Para se ter uma ideia, as ofertas de danos morais da empresa têm sido feitas por núcleo familiar e não por pessoa, e equivalem ao valor, por exemplo, de uma bagagem perdida por uma companhia aérea no Brasil, ou até menos do que isso. A pactuação também considerou os chamados ‘danos invisíveis’, tais como prejuízos à saúde mental, isolamento social, danos à qualidade da água da região, e outros que só agora são evidentes.
Por que os moradores de Maceió estão acionando a Justiça holandesa?
Tom Goodhead – Em primeiro lugar, acreditamos que as vítimas têm direito a procurar justiça em todas as instâncias possíveis, seja no Brasil ou ao redor do mundo. A Braskem tem três filiais sediadas na Holanda, que a própria Corte de Rotterdam considerou como ‘indissociavelmente conectadas’ às atividades da petroquímica no Brasil. Corporações multinacionais como a Braskem precisam entender que não poderão fugir da responsabilidade de crimes ambientais como o de Maceió, não importa onde for. Vale ressaltar, inclusive, que ojulgamento holandês se baseará no direito brasileiro, extremamente desenvolvido no que tange a questões ambientais e sociais.
Quais são os próximos passos da ação?
Tom Goodhead – Aprevisão é que ao fim da audiência de mérito, o tribunal defina a data em que a sentença será divulgada, num prazo de 3 a 6 meses.Milhares de outras vítimas da tragédia já manifestaram interesse em processar a Braskem na Holanda, e estamos preparando uma nova ação, que terá esse primeiro caso como precedente. Assim, esperamos finalmente garantir justiça para os moradores de Maceió que até hoje sofrem com os impactos do desastre.
O QUE DIZ A BRASKEM
Nesta quinta-feira, 15, ocorreu audiência para oitiva das partes de uma ação individual em curso na Holanda. A Braskem apresentou para a Corte holandesa a efetividade do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) enquanto alternativa de solução consensuada que segue o Devido Processo Legal, a legislação brasileira e é homologado pela Justiça brasileira. O PCF também é acompanhado pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual e Defensorias Públicas da União e do Estado de Alagoas.
A Companhia também esclareceu que a competência para tratar o tema é da Justiça brasileira, onde estão localizados os imóveis, os moradores, a sede da empresa e onde foram firmados os acordos com as autoridades.
Até o fim do mês de janeiro, 99,8% das propostas de compensação já haviam sido apresentadas e 94,5% do total esperado, pagas. Os dados são compartilhados com as autoridades e estão disponíveis no site https://www.braskem.com.br/alagoas.
É importante ressaltar que o PCF é de adesão voluntária, e os participantes são acompanhados por advogado de sua escolha – com custo reembolsado pela Braskem – ou por um defensor público. Apesar da possibilidade de recorrer à Justiça para que determine o valor da indenização de forma célere e sem custos (liquidação de sentença), o índice geral de aceitação das propostas é superior a 99% desde o início do programa.
Os autores da ação movida na Holanda já receberam proposta no âmbito do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF). Até o momento não há decisão de mérito, e a previsão é que a Justiça holandesa se manifeste em meados do segundo semestre.
A Braskem, por meio de seus representantes, vem adotando as medidas processuais cabíveis e reafirma seu compromisso em não poupar esforços para preservar a segurança das pessoas e realizar a compensação financeira no menor tempo possível. Essas são prioridades para a empresa e, por isso, continuará desenvolvendo seu trabalho, de forma diligente, em Maceió.
Para o desenvolvimento das ações em Maceió, a Companhia tem provisionados R$ 14,4 bilhões. Desse montante, R$ 9,2 bilhões já foram desembolsados, sendo R$ 4,4 bilhões em indenizações (R$ 3,9 bilhões somente no âmbito do PCF).
Entre as ações, estão a realocação preventiva de moradores – a área de risco hoje está 100% desocupadas. Nenhum morador ficou sem casa ao longo desse processo, já que a companhia promoveu pagamento de apoio financeiro e auxílio para aluguel temporário.