Um Papa que falava com a minha realidade
Em artigo enviado à coluna, o jornalista Edu Carvalho relata a influência de Francisco para alguém que cresceu nas vielas da Rocinha, No Rio de Janeiro

Ter o “carimbo” da Igreja, ou melhor, do Papa em nosso diploma.
Assim, jornalista formado pela PUC-Rio, onde a teologia pulsava nas eletivas obrigatórias para alguém que cresceu nas vielas da Rocinha, a figura do Papa Francisco sempre me ressoou de forma singular.
Foi ao ter que ler A Laudato Si’, uma espécie de carta aberta à sociedade, Si’, que me vi defronte ao chamado urgente à humanidade escrito por Bergoglio. Na carta papal, o pontífice hermano não apenas diagnosticou a profunda crise ecológica que já assolava o planeta em 2015, mas também a conectou intrinsecamente a questões sociais e econômicas, cunhando o conceito de “ecologia integral”.
Quatro anos depois – quase tempo de um mandato – o Vaticano realizou o Sínodo da Amazônia, assembleia especial de bispos dedicada a debater os desafios pastorais, socioculturais e, crucialmente, ecológicos da região pan-amazônica.
Mais que simples atos da Igreja, os dois momentos foram cruciais para se encontrar reflexos das realidades que eu conhecia bem: a interligação entre a degradação ambiental e a injustiça social. Isso, na figura de Francisco, o “Papa Pop” e latino-americano, torcedor do San Lorenzo, uma voz central na luta climática. Ele não apenas discursou sobre a crise, mas a viveu, sentindo na pele, ao lado dos marginalizados, dos povos originários, dos esquecidos.
Em suas mensagens, enraizadas na fé e na experiência concreta, desmistificou a complexidade da questão climática, traduzindo-a em linguagem acessível com a clareza que só um Papa poderia fazer.
Para mim, que cresci onde a falta de saneamento básico e a poluição eram companheiros constantes, as palavras de Francisco eram mais do que um chamado à ação global; eram um espelho da minha própria vida, um lembrete de que a luta pela justiça ambiental é inseparável da luta por justiça social. De mãos dadas para a solução.
Depois de um tempo aprofundado aos seus escritos e sua gestão enquanto sumo-sacerdote, deixou de ser chato ouvir sobre Jesus 1, 2 e 3 (como nós, puc-anos, chamamos a eletiva obrigatória da formação). Era bom e bonito saber que o sucessor Pedro estava comigo, ressoando minha favela, a partir da minha universidade, descrevendo meu país.
Hoje é dia de sentir pela partida também desse professor.
* Edu Carvalho é jornalista e comunicador