Um estadista no Tribunal de Contas da União
Daniel Lança analisa a posse de Antonio Anastasia no TCU e o perfil do novo ministro
Uma grata surpresa ocorreu essa semana na política brasileira: a posse de um raro estadista ao cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Trata-se do mineiro Antonio Augusto Junho Anastasia. Não obstante a alcunha de político – o que é – ele vem de um histórico particularmente incomum: perfil técnico, currículo invejável e excepcional respeito por onde passa, independentemente do campo do espectro político, mesmo após certo desgaste por ter sido o relator do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
O novo ministro do TCU é advogado, mestre em Direito Administrativo, servidor de carreira da administração pública e professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e teve papel crucial na consolidação da Constituição mineira de 1989 ao assessorar o Relator da Assembleia Constituinte do Estado. Anastasia também foi Diretor da Fundação João Pinheiro (FJP) – a melhor escola de governo do Brasil, Ministro do Trabalho, Vice-Governador e Governador de Minas Gerais, e até essa semana ocupava o cargo de Senador da República.
Se Anastasia, por um lado, tem perfil eminentemente técnico, também se mostrou um político habilidoso, vocacionado ao serviço público. Sua característica mais marcante talvez seja o equilíbrio e razoabilidade. Em um trecho de seu discurso de posse, defendeu “a moderação, o equilíbrio, ao lado da cordialidade, do bom senso, da seriedade e da razoabilidade”. Ressaltou ainda que acredita que “a força da moderação e do entendimento são eixos imprescindíveis para termos no Brasil cada vez mais uma nação civilizada e à altura dos desejos de nossa gente”.
Um de seus últimos atos como Senador da República se deu na incansável defesa da Lei da Segurança Jurídica (Lei Federal nº. 13.655/18), cujo projeto é de sua autoria, que visa proporcionar ambiente econômico mais seguro e estável a quem queira investir no país, ao passo que também protege o gestor público que eventualmente cometa mero erro formal, impedindo que este seja confundido com aquele ímprobo que causa prejuízo dolosamente ao erário.
Esse talvez seja seu maior desafio no TCU: migrar a lógica do controle externo brasileiro de um modelo punitivista – que, por sinal, só gera mais ineficiência, como o malfadado apagão das canetas – à consolidação da cultura ética e fortalecimento da nova governança pública, a partir do papel preventivo da corte de contas.
Para mim, seu traço mais marcante será sempre aquele voltado ao magistério – o Professor Anastasia, como carinhosamente ainda fazem questão de chamá-lo seus alunos, marcou e moldou uma geração com seu zelo, inteligência e compromisso republicano com o serviço público, da qual tenho imenso orgulho de fazer parte.
Antonio Augusto Junho Anastasia honra a tradição de Minas Gerais de ser berço de estadistas, como Milton Campos (que também fora Governador, Senador e Ministro), Juscelino Kubitscheck e Tancredo Neves. Um raro regozijo em tempos de uma política de cólera, polarização e retrocessos democráticos.
* Daniel Lança é articulista e advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e sócio da SG Compliance