‘Sempre convivi com o racismo’, diz Vanessa da Mata
Em entrevista exclusiva à coluna, cantora afirma, no Dia da Consciência Negra, que, às vezes, é preciso ser 'radical' contra o preconceito
A cantora, compositora e escritora Vanessa da Mata, hoje uma das maiores referências musicais do país, afirmou, em entrevista exclusiva à coluna, que “sempre conviveu com o racismo”. A musicista deu declaração após o show dela no Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quarta-feira, 20, em Brasília.
“Sempre convivi com o racismo num lugar feminino, inclusive. Convivi com o racismo porque eu tenho um pai branco, de olho claro, uma mãe preta. E a família branca sempre existiu um racismo não velado mesmo, na cara, enquanto a família preta não tinha consciência para ir de encontro e tentar entender de onde veio. Quando você tira a história das pessoas, a origem, tudo, você tira também a autoestima, né? Você escraviza e bota ela em um lugar inferior que causa um monte de problema, como é o racismo estrutural no Brasil, afirmou à coluna.
Vanessa da Mata contou que ela foi a primeira a dizer, na sua família, que “nós somos pretos”. “Escuta nós somos pretos. nós somos negros no sentido da cor mesmo, dos traços. Mas era sempre uma negação. Hoje em dia eu sinto que as pessoas estão muito mais conscientes e tomando isso para si com uma maneira mais forte, que é o que precisa. Precisa ser radical. Existe um momento que é necessário ser radical, nomear as coisas, dar nome às coisas, se sentir mais orgulhoso, ter uma autoestima melhor para poder coexistir num mundo onde é só é poda. Onde só é podado”, disse.
‘LIMBO’
A musicista continuou e disse que muitas vezes ficava em um “limbo” por ser uma mulher negra de pele clara. “Eu tinha uma consciência maior. Fui a pessoa que teve um embate na família maior. A única de cabelos crespos da minha geração. Fui a primeira. Me lembro de cantar com meninas na MTV que tinham trancinhas, não conseguiam [se mostrar], talvez porque elas eram pretas mesmo, retintas. Isso era mais difícil, porque o preconceito maior era com elas. Mas eu também ficava num limbo entre uma coisa e outra das pessoas não quererem me colocar no lugar negro. E as brancas também não queriam dizer que eu era branca. Então, eu ficava numa situação muito ruim. E eu dizendo que eu era negra’.
Vanessa da Mata acredita que o “Brasil ainda precisa trazer as pessoas negras para o lugar das pretas”. “Isso é uma coisa séria. As pessoas negras – mais de pele clara – estão num lugar onde elas não estão se sentindo aceitas. E isso é muito ruim, inclusive para as outras mais escuras, para as retintas. Você vai nos Estados Unidos, uma pessoa como eu, sou imediatamente reconhecida como uma pessoa negra. Mas existe essa também falta de aceitação. Uma rejeição com relação a isso’”.
‘MICROPOLÍTICA’
Perguntada na entrevista se ela acha ser possível mudar a realidade na qual, a cada 12 minutos no Brasil, uma pessoa negra é assassinada, a cantora afirmou que, “se não acreditar nisso ela não vive”. “Se eu não acreditar nisso, não vivo porque tenho 2 filhos negros, inclusive. A educação com eles é completamente diferente da do filho branco. É assim ‘jamais pule o muro’, enquanto o branco pula o muro para pegar a chave se ele esqueceu na rua, entendeu? Eu acho que a gente tem que confiar e tem que se mobilizar para fazer micropolítica. O estado sozinho não vai conseguir. É micropolítica no em cada lugar do seu meio, na sua periferia, no interior, fazendo uma possibilidade de educação maior para que as pessoas se articulem, se politizem e até que entrem na política porque a gente precisa de muita gente boa na política. [Tudo isso] para uma luta de mudança ou isso não vai acontecer? É preciso ser muito esperto, inteligente mesmo em agir contra uma desumanização, uma eliminação de possibilidades de inteligência na ocupação mais negra, mais própria”.