Prevenção do suicídio no pós-pandemia
Ensaísta Davi Lago mostra porquê os casos diminuem durante períodos como o que vivemos nos últimos dois anos, mas sempre aumentam em seguida
É bem documentado que durante períodos de crise como desastres naturais, guerras ou epidemias, as taxas de suicídio podem diminuir momentaneamente. Contudo, após a passagem da crise imediata, as taxas de suicídio crescem. Com o objetivo de contribuir com ações de prevenção ao suicídio e informar governos, profissionais de saúde e a comunidade em geral, a doutora Danuta Wasserman publicou um capítulo adicional sobre prevenção do suicídio na pandemia de COVID-19 no Livro-Texto Oxford de Suicidologia e Prevenção do Suicídio (2021) pela Universidade de Oxford. O ponto de partida é a compreensão de que o suicídio é uma morte desnecessária e pode ser prevenida através de métodos baseados em evidências. O suicídio é um fenômeno social complexo, multifatorial e plurietiológico (múltiplas causas), assim o modo de enfrentá-lo exige ações distintas. Conforme Wasserman, as estratégias de prevenção ao suicídio mais eficazes são: (1) restrição do acesso aos meios letais; (2) políticas para redução do consumo danoso do álcool; (3) programas de conscientização; (4) tratamento farmacológico e (5) psicológico da depressão; (6) cadeia de atendimento e acompanhamento de indivíduos de risco; e (7) reportagem de mídia responsável. Outras medidas como treinamento de agentes capazes de identificar sujeitos com risco suicida não puderam ser comprovadas por evidências, mas são consideradas teoreticamente válidas. O ponto em destaque é a necessidade de fortalecimento de todas essas estratégias neste momento específico de gradual retomada social e econômica.
Especialmente no Brasil, estes alertas da professora Wasserman deveriam ser levados à sério. Ao contrário da ampla maioria dos países que implementam diretrizes de prevenção ao suicídio propostas pela Organização Mundial da Saúde, o número de suicídios no Brasil está aumentando nos últimos anos. “Em média, a cada 40 segundos há uma tentativa de suicídio e a cada 40 minutos há um suicídio consumado no Brasil”, afirmou o deputado Lucas Gonzales, coordenador da Frente Parlamentar de Prevenção ao Suicídio e Automutilação do Congresso Nacional em seminário dedicado ao tema na Faculdade Milton Campos em Belo Horizonte no dia 23. No mesmo evento, o professor Humberto Correa, coordenador do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, afirmou que as autoridades brasileiras não precisam “reinventar a roda”, mas levar à sério as diretrizes internacionalmente indicadas e implementá-las com seriedade nos contextos regionais do país. Correa, que também é membro-fundador e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), enfatiza há anos a necessidade de uma melhor articulação pública ressaltando que o esforço principal nas ações de conscientização ou prevenção, como o Setembro Amarelo, é organizado pelo terceiro setor. Ao abordar o tema no Centro de Valorização da Vida (CVV), o professor Correa afirmou: “o Brasil não fez o dever de casa. Nós não temos até hoje uma política pública realmente [eficaz] para prevenção do suicídio. Temos algumas ações isoladas em um município ou outro, mas não temos uma estratégia nacional de prevenção do suicídio”. A gravidade da constatação realça a importância da atuação de entidades como o próprio CVV, que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. A ligação para o CVV em parceria com o SUS, por meio do número 188, é gratuita a partir de qualquer linha telefônica fixa ou móvel – basta ligar para o número 188.
* Davi Lago é pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo