O presidente Lula está certo em criticar os crimes de guerra perpetrados por Israel em Gaza, mas cometeu um erro histórico ao comparar o Holocausto à reação daquele país na guerra com o Hamas – iniciada em outubro passado.
“O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse o petista, causando imediata reação da comunidade judaica.
O embaixador brasileiro em Israel, Fred Meyer, foi convocado para receber uma reprimenda – conhecido desagravo diplomático -, Lula virou “persona non grata” naquele país e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, bradou: “as palavras do presidente brasileiro são graves e vergonhosas”.
Lula realmente cruza uma “linha vermelha” ao fazer a comparação.
Netanyahu é uma liderança muito discutida e criticada pelos próprios israelenses. Estava numa situação de forte oposição interna quando houve o atentado do Hamas em outubro passado – vitimando mais de mil inocentes civis, entre eles idosos e crianças.
Mas Lula não poderia ter feito essa afirmação e a relação com o holocausto. Criticar é legítimo e correto neste momento em que se sabe que a reação de Israel já matou mais de 30 mil palestinos, a maioria deles mulheres e crianças, e colocou em diáspora um milhão de pessoas.
É realmente inaceitável o que aconteceu naquele ataque terrorista, o pior desde 11 de Setembro, ou na violenta reação de Israel. A única questão que se discute é a absurda comparação com o Holocausto.
É difícil quantificar o horror ou usar a frieza dos números para tentar mostrar o erro do presidente brasileiro – cada morte, é uma família enlutada. Cada crime de guerra, uma violação dos direitos humanos mais básicos e fundamentais.
Os mil mortos israelenses no atentado terrorista cometido pelo Hamas, os 30 mil palestinos – também inocentes e assassinados na reação ao atentado – ou os 6 milhões de judeus mortos no holocausto?
Em 2003, há mais de 20 anos, visitei um campo de concentração na Alemanha como estudante do Goethe-Institut, e a convite do governo daquele país.
Entre outras funções, a ideia da organização é a de transmitir ao mundo o horror do Holocausto e o que a Alemanha fez (e ainda faz) para combater o nazismo, a ideologia de extrema-direita que defendia abertamente o antissemitismo.
É aterrorizante a visita ao campo de concentração. Inesquecível. E, pode-se dizer, incomparável a qualquer momento histórico, mesmo que horror esteja vivo e presente hoje também na palestina, com uma violência inaceitável.
Ainda não há parâmetro de comparação com a máquina de extermínio nazista.
O que mais me marcou na visita a Alemanha foi o pedido de perdão de uma mulher de 20 anos, chamada Maya. A alemã, uma guia do Goethe, chorava no campo de concentração e se dirigiu a mim, pessoalmente, porque eu também chorava.
Tentei imediatamente explicar que não era judeu, mas ela rebateu dizendo: “peço perdão pelo que fizemos à humanidade”. Uma nova geração pedindo desculpas por erros de antepassados, para evitar que o horror se repita – entendendo o peso e o simbolismo histórico desse ato.
Na globalização de hoje, se sabe: quem faz declaração que choca o mundo para chamar a atenção, revoltando e gerando engajamento radical, é governante de extrema-direita. Lula calculou muito mal o que disse (espero que não seja uma nova estratégia de comunicação), ainda que a política do Netanyahu seja altamente condenável.
É sempre preciso separar o primeiro-ministro israelense do atual momento, do povo judeu ou de Israel.
Por tudo isso, Lula deveria pedir desculpas e continuar condenando os crimes de guerra contra o povo palestino. É o correto a fazer. Basta de crise diplomática por declarações erradas de um presidente brasileiro.