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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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O tiro do pastor de Bolsonaro, a política de armas e o discurso de Jesus 

Teólogo Rodolfo Capler afirma que discursos teológicos distantes da ética cristã foram articulados para justificar a política armamentista do atual governo

Por Rodolfo Capler
Atualizado em 3 Maio 2022, 10h13 - Publicado em 1 Maio 2022, 16h02

Já foi-se o tempo em que a arma do cristão-evangélico era a Bíblia. Hoje os cristãos no Brasil são estimulados a andarem armados com uma pistola no coldre. Desde a ascensão de Jair Messias Bolsonaro ao poder a política de armas passou a ser tema de discussão e mais: tornou-se ponto fulcral do discurso teológico de muitos líderes evangélicos. 

Bolsonaro, que nunca escondeu seu fascínio pelas armas, em 7 de maio de 2019, assinou o Decreto da Nova Regulamentação do Uso de Armas e Munições, com o objetivo de facilitar o porte de armamentos para uma série de profissões, incluindo advogados, políticos e caçadores. De lá pra cá, a política de armas no Brasil sofreu 31 alterações. Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, são ao todo 14 portarias de ministérios ou órgãos do governo, dois projetos de lei que ainda não foram aprovados e uma resolução que flexibilizam e facilitam o acesso para a compra de armas e munições no país.

Como estratégia de marketing utilizada pelo governo Bolsonaro e pelo movimento bolsonarista, discursos teológicos distantes da ética cristã foram articulados para justificar a política de armas. Para sustentar tais discursos muitos líderes evangélicos lançam mão de textos bíblicos fora de contexto. Os mais mencionados são os trechos do Pentateuco, em que está em voga a famosa lei de talião, do “olho por olho e dente por dente” – que leva em conta que se alguém mata, tem que morrer e se fere deve ser ferido -, bem como a passagem do Novo Testamento, na qual Jesus orienta Pedro a pegar em espadas no evento narrado no Evangelho de Lucas 22.

Essa tentativa de aproximar a fé cristã dos interesses armamentistas tem logrado êxito de modo que, em dias atuais, é natural encontrar cristãos e até mesmo pastores evangélicos colecionando e portando armas de fogo. 

Um episódio emblemático disso foi disparo involuntário da pistola do pastor presbiteriano e ex-ministro da educação Milton Ribeiro, no aeroporto de Brasília, na última segunda-feira, 25. Em depoimento à Polícia Federal, Ribeiro alegou estar “com medo de expor sua arma de fogo publicamente no balcão” da companhia Latam, e por essa razão “tentou desmuniciá-la dentro da pasta, ocasião em que ocorreu o dispara acidental”. Além de impor pavor aos viajantes do aeroporto que estavam próximos ao disparo, o evento gerou fortes discussões sobre o manuseio e porte desse tipo de equipamento. O caso está sendo investigado pela PF, porém já tem suscitado uma série de reflexões sobre o tema do armamento no Brasil.

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Talvez o aspecto mais lamentável no acidente envolvendo Milton Ribeiro é o protagonismo de um pastor evangélico carregando uma arma de fogo em vez de uma Bíblia. Tempos bons eram aqueles em que os pastores tinham a Bíblia Sagrada como a sua principal arma contra a violência. Em linhas gerais, os pastores sabiam, mais do que todos, quais eram os danos causados à família e à sociedade quando alguém mantinha uma arma de fogo no seio do seu lar. Todavia, com surgimento do bolsonarismo, os líderes cristãos se tornaram defensores do porte de armas e de muitas pautas que amparam à violência.

Interessante é notar que o discurso de Jesus é contrário à verve bolsonarista que incentiva o uso de armas. Em seu mais importante discurso conhecido como “o sermão da montanha” (Mateus 5-7), Jesus ensina que “bem-aventurados são os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus”. Na mesma prédica Jesus declara que “se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra”. Igualmente salientou o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer (morto por ordem direta de Hitler num campo de concentração em 1945), que “os seguidores de Jesus foram chamados à paz”, de maneira que os cristãos “não devem apenas ter paz, mas fazer a paz de modo a superarem o mal com o bem e estabelecerem a paz de Deus no meio de um mundo de guerra e ódio”. 

Alguém precisa avisar Milton Ribeiro e uma miríade de pastores e líderes evangélicos, que para os cristãos, o uso correto da Bíblia ainda é a melhor arma contra a violência e contra a deturpação da dignidade humana. Espero que na próxima vez em que o pastor Ribeiro estiver viajando ele carregue consigo o livro sagrado e não uma pistola. Isso o poupará de muita vergonha. 

* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

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