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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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O aumento de negros nas igrejas evangélicas. Entenda

Teólogo Rodolfo Capler analisa o processo massivo de integração de afrodescendentes e pardos no segmento religioso pentecostal 

Por Rodolfo Capler
Atualizado em 21 fev 2022, 08h28 - Publicado em 21 fev 2022, 08h21

Os primeiros missionários protestantes que chegaram ao Brasil mantinham uma postura ambígua no que dizia respeito ao negro escravizado. Por um lado, sustentavam um discurso positivista e afirmativo em relação a dignidade e liberdade do negro, que conforme entendiam – alicerçados na Bíblia Sagrada – refletia a “imago Dei” (imagem de Deus). Segundo Elisete da Silva, em sua tese de doutorado na FFLCH, muitos grupos protestantes compravam cartas de alforria de negros escravizados que frequentavam suas igrejas. Em contrapartida, os grupos protestantes eram coniventes com a escravidão, comprando escravos e se opondo às ideias abolicionistas.

Essa dúbia relação do protestantismo brasileiro com os negros escravizados explica a atual configuração das igrejas protestantes históricas. Em linhas gerais, as igrejas Luteranas, Congregacionais, Presbiterianas, Batistas e Metodistas, são hegemonicamente brancas nos dias de hoje. Há poucos fiéis negros em suas fileiras e um reduzido número de ministros negros exercendo posições de liderança. 

Por outro lado, com o crescimento vertiginoso dos evangélicos nas últimas três décadas (em que saltaram de 9% no início dos anos 90 para 31% da população em 2020), temos visto uma explosão negra nas igrejas evangélicas de corte pentecostal. Segundo o pesquisador e pastor batista negro Marco Davi de Oliveira em seu livro “A religião mais negra do Brasil”, o pentecostalismo é a expressão de fé mais adotada pelas populações negras brasileiras. De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2010, 55 milhões de negros se autodeclaravam católicos. Mais da metade dessas pessoas eram fiéis não praticantes e aqueles que eram engajados na fé, não possuíam visibilidade e protagonismo em suas igrejas e paróquias. Conforme o mesmo senso, 253.000 negros se autodeclaravam professantes das religiões de matriz africana e 11 milhões de negros se identificavam como evangélicos. Destes 11 milhões, 8 milhões eram pentecostais. Já a pesquisa do Instituto Datafolha, realizada em dezembro de 2019 com 2.948 pessoas em 176 municípios de todo o país, concluiu que 59% dos entrevistados evangélicos eram negros, enquanto entre os católicos, os fiéis negros representavam 55% dos interrogados. Portanto, os dados apresentados elegem a fé evangélica, inexoravelmente, como a religião mais negra do Brasil.

A diferença entre a negritude católica e a negritude evangélica pentecostal, é que a última dispõe de um espaço de visibilidade em suas comunidades de fé. Nas igrejas pentecostais, negros e pardos falam, cantam, pregam, lideram, interagem e são percebidos. Além do reconhecimento social que os negros encontram nas igrejas pentecostais das periferias urbanas brasileiras, a associação entre pentecostalismo e religiosidade afro também é um dos principais aspectos de conexão do negro com o segmento evangélico. Em linhas gerais, os grupos pentecostais articulam elementos das religiões de matriz africana em suas liturgias. Isso pode ser visto na adesão de muitas igrejas chamadas “neopentecostais” por práticas “mágicas” (como a entrega de “rosas ungidas” e na consagração de copos com água), na incorporação de entidades espirituais celebradas no candomblé e umbanda (que nesses ambientes passam a ser definidas como “encostos”), nas expressões de emotividade, nas preces evocadas em voz alta, no uso ritual de canto e dança e nos fenômenos de êxtase religioso, atribuídos à ação do Espírito Santo. Ainda outro fator que pode ser explicativo da integração de negros e pardos ao pentecostalismo é o aumento da violência urbana vinculada ao tráfico de drogas.  Ou seja, para as populações negras e pardas (que são as mais vulneráveis ao crime organizado, ao uso de drogas e ao encarceramento), as igrejas pentecostais são um refúgio e uma alternativa de reinserção social.

Os dados quantitativos que demonstram que os negros estão se inserindo cada vez mais nas igrejas pentecostais, não são, necessariamente, qualitativos no que diz respeito à afirmação racial que eles experimentam. Apesar dos negros, – que sempre foram excluídos e marginalizados socialmente no Brasil – estarem encontrando espaços de validação e de reconhecimento sociais nas igrejas evangélicas, isso não significa que essa integração racial esteja conduzindo a negritude brasileira a um processo de emancipação socio-cultural, visto que na maioria dos ambientes pentecostais, não há o desenvolvimento ou a adoção de uma teologia negra, tampouco a abordagem de temas importantíssimos para a comunidade negra, como por exemplo, o racismo, que quase não é discutido e analisado, passando despercebido ou sendo tratado como questão de somenos importância. 

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Outro aspecto que deve ser considerado em relação à inserção de negros e pardos nas igrejas evangélicas pentecostais é a quase nula representatividade negra na dimensão pública. A despeito dos negros serem maioria dentro do pentecostalismo, as suas principais lideranças são brancas. Ou seja, se há forte presença negra do lado de dentro dos templos evangélicos, do lado de fora a face representada sempre é branca.

Em síntese, independentemente dos pontos críticos desse processo de reconfiguração racial experimentado pelo segmento evangélico no Brasil, o pentecostalismo, com suas mazelas, complexidades e contradições está promovendo uma massiva integração social do negro – coisa que nenhuma política social ou programa de governo conseguiu fazê-lo.

* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

  

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