O Brasil é o país-chave na gestão mundial da água
Ensaísta Davi Lago elenca os quatro desafios da nação que detém 13,7% de toda a água doce e 20% das águas subterrâneas do planeta
Além de ser o líder em biodiversidade, o Brasil é o grande manancial do mundo: possui 13,7% de toda a água doce e 20% das águas subterrâneas do planeta. A responsabilidade do país na gestão mundial dos recursos hídricos é, portanto, incontornável. Na Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o sexto objetivo estabelece a meta de alcançarmos o acesso universal e equitativo de água potável e segura para todos. As metas paralelas incluem universalizar o saneamento básico, melhorar a qualidade da água reduzindo a poluição, reduzir à metade a proporção de águas residuais não tratadas e aumentar substancialmente a eficiência do uso da água.
Dadas as condições privilegiadas dos recursos hídricos brasileiros, as autoridades técnicas e acadêmicas apontam quatro eixos para a atuação do poder público na questão: Primeiro, atuar na disponibilidade do recurso hídrico. Apesar de o Brasil possuir aquíferos gigantescos, chuvas regulares e bacias hidrográficas enormes a água nem sempre está disponível para uso. É necessária o constante planejamento e zeladoria dos reservatórios, canais, poços, cisternas e estruturas que viabilizam o uso da água.
Segundo, atuar no tratamento adequado da água para os fins a que se destina. Isso significa que medidas precisam ser implementadas para que a água seja útil para os fins necessários como, por exemplo, consumo humano, irrigação, dessedentação animal, indústria e suporte à biodiversidade.
Terceiro, atuar na distribuição adequada, ampliando as redes de distribuição e evitando desperdícios. O papel da educação cívica e ambiental também é essencial neste ponto. A sociedade brasileira pode avançar muito na consciência ecológica e assumir a liderança que o mundo dela espera.
Quarto, atuar no recolhimento e tratamento das águas servidas, o que inclui saneamento e o retorno da água para o ambiente. O acesso à água encanada é indicador elementar da saúde pública. De igual modo, o ambiente regulatório para atividades industriais e agrícolas necessita de constante atenção, afinal, os principais responsáveis pela poluição de águas doces são os sais solúveis, os detergentes, os metais pesados, os adubos e os pesticidas.
Cuidar da hidrosfera brasileira envolve também inteligência na gestão das hidreléticas. Vale ressaltar que a matriz energética brasileira é modelo internacional no quesito das fontes renováveis e limpas: 83% da energia brasileira é gerada por fontes renováveis e limpas, enquanto a média internacional é 20%. Nosso grande diferencial é justamente o conjunto de usinas hidrelétricas que, sozinho, gera 67% da energia utilizada pelos brasileiros e brasileiras. Contudo, a má gestão pode levar a apagões como o ocorrido no Amapá em novembro de 2020. Naquela ocasião três transformadores foram danificados por um incêndio, sendo que um deles já estava inoperante desde 2019 em uma manutenção interminável.
Todo dia 22 de março a ONU propõe o Dia Mundial da Água justamente para realçarmos estas questões e ampliarmos a discussão pública sobre o recurso natural condutor da vida. Jamais podemos esquecer que sem água, a miséria e a pobreza aumentam. A água jamais perde sua atualidade. Mohamed Larbi Bouguerra, autoridade no debate sobre a hidropolítica, afirma que devemos “trabalhar em vista do advento de uma ética da gestão e da distribuição da água que permita a todos viver em paz e cooperação”.