O ato de negação da defesa de Bolsonaro
Na reta final do processo da trama golpista, estratégia ignora provas e histórico do ex-presidente para tentar evitar condenação

Nas alegações finais entregues ao Supremo Tribunal Federal, a defesa de Jair Bolsonaro classificou como “absurda” a acusação de que o ex-presidente liderou a tentativa de golpe de Estado. O documento, de quase 200 páginas, nega qualquer ação com o objetivo de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, ataca a credibilidade do delator Mauro Cid e sustenta que não há provas materiais ligando Bolsonaro ao plano ou aos atos de 8 de janeiro. A defesa anexou pareceres de professores renomados de Direito Penal para reforçar essa tese.
O texto também lembra que Bolsonaro está em prisão domiciliar desde 4 de agosto, por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Afirma que ele teria garantido uma transição “eficaz, pacífica e imediata” após as eleições, mesmo estando debilitado fisicamente no período.
Ressalta ainda que nem a Polícia Federal teria identificado seu papel de liderança nos eventos e que nenhum réu teria apontado essa liderança.
A estratégia tenta desmontar o processo apontando lacunas — como a ausência da minuta golpista nos autos — e reforça uma narrativa segundo a qual Bolsonaro jamais teria tentado impedir a posse de Lula. Afirma ainda que Mauro Cid “mentiu reiteradas vezes” e até descumpriu o acordo de delação, mantendo conversas via perfil de terceiro no Instagram – uma revelação de VEJA.
Mas o argumento da defesa colide com um histórico público. Ao longo da carreira política, Bolsonaro defendeu abertamente a ditadura militar, exaltou a tortura, apoiou a execução de opositores e sugeriu o fechamento de instituições democráticas.
Após a vitória de Lula, manteve-se alinhado a discursos que alimentaram a resistência à transição de poder. No processo, além da delação de Mauro Cid, há depoimentos de chefes militares e documentos que indicam que ele considerou, sim, medidas para impedir a posse presidencial — mesmo que as travestisse de ações “dentro das quatro linhas”.
Diante disso, a última ofensiva de Bolsonaro e seus advogados parece mais um ato de negação do que uma defesa calcada na realidade do que já está documentado. O peso das provas e do seu próprio histórico político tornam difícil sustentar a versão apresentada à Corte.