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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

MEC quer restringir EaD, mas setor vê risco de exclusão social

Presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância, João Mattar defende papel estratégico da modalidade e rebate desinformações

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 Maio 2025, 21h01 - Publicado em 4 Maio 2025, 16h00

Com quase metade das matrículas do ensino superior concentradas na Educação a Distância (EaD), o Brasil vive um momento decisivo sobre o futuro dessa modalidade. O Ministério da Educação (MEC) finaliza os detalhes do novo marco regulatório da EaD, que deve redefinir aspectos como carga presencial, avaliação, infraestrutura e o funcionamento de polos e tutoria.

Como contribuição ao debate, a Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) realizou uma ampla consulta pública entre os dias 2 e 4 de abril. Participaram 185 profissionais ligados à EaD em instituições públicas, privadas, edtechs e outras organizações. A iniciativa foi um esforço para sistematizar percepções técnicas, críticas e sugestões sobre a proposta de novo marco regulatório.

Em entrevista à coluna, o presidente da ABED, João Mattar, analisa os principais resultados da consulta, critica generalizações que deslegitimam a EaD e defende que a nova regulamentação aposte na diversidade de modelos, na inovação e na preservação do acesso. Para ele, “a inclusão que a EaD proporciona não é oposta à excelência é condição para ela”.

 

A EaD está no centro de um debate nacional. Como o senhor avalia esse momento?

João Mattar Estamos diante de uma encruzilhada: ou regulamos com responsabilidade uma modalidade que democratizou o ensino superior no Brasil, ou corremos o risco de retroceder sob argumentos frágeis. A EaD hoje é estruturante e responde por quase metade das matrículas e por grande parte da formação de professores, especialmente nas regiões onde o ensino presencial não chega. É natural que haja debate. O que não pode haver é desinformação ou preconceito travestido de rigor.

O que motivou a ABED a realizar a consulta pública sobre o novo marco regulatório da EaD?

João Mattar – Acreditamos que a regulação deve ser feita ouvindo quem faz a EaD todos os dias. A consulta foi uma forma de reunir percepções técnicas, experiências concretas e propostas construtivas de profissionais da área. Mais de 180 pessoas participaram entre professores, coordenadores, tutores, gestores, gente da ponta mesmo. O objetivo foi oferecer ao MEC um retrato honesto, qualificado e propositivo sobre os impactos da regulamentação em discussão.

Qual deve ser a prioridade dessa regulamentação?

João Mattar A prioridade deve ser garantir qualidade sem excluir. Isso significa criar parâmetros objetivos de avaliação, exigir estrutura, tutoria, práticas presenciais, mas também respeitar a diversidade regional e a função social da EaD. É preciso lembrar que milhares de professores que atuam hoje nas redes públicas foram formados a distância. O que precisamos é regular para melhorar e não restringir por princípio. Regular com equilíbrio, ouvindo quem faz a modalidade acontecer.

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A consulta também trata da definição de “presencialidade”. O que deve mudar?

João Mattar Hoje, o conceito de presencialidade é entendido de forma limitada, como “estar fisicamente na mesma sala”. Mas há consenso entre os profissionais da EaD de que presencialidade pode se dar também pela interação síncrona com mediação docente, ao vivo, em ambiente virtual. A consulta foi clara nisso: precisamos de uma definição ampliada, que valorize as possibilidades pedagógicas da tecnologia sem confundir EaD com abandono do professor ou da mediação.

A obrigatoriedade de avaliações presenciais para todos os cursos EaD também foi debatida. O que pensa sobre isso?

João Mattar Não necessariamente é preciso avaliação presencial para garantir qualidade. O que importa é garantir a credibilidade e a eficácia da avaliação, não o deslocamento físico. A obrigatoriedade de avaliações presenciais discursivas em todos os cursos, como se ventilou, foi rejeitada por grande parte dos respondentes. Existem formas tecnológicas seguras e pedagógicas eficazes para realizar avaliações a distância com seriedade. Exigir prova presencial para todos os cursos EaD do país pode parecer zelo, mas pode ser na prática um instrumento de exclusão.

A ABED defende que tutores sejam reconhecidos como parte do corpo pedagógico. Por quê?

João Mattar Porque essa é a realidade. Em cursos bem estruturados, o tutor não é só alguém que responde dúvidas. Ele é parte ativa da mediação pedagógica, acompanha o desempenho dos alunos, participa da construção de trilhas de aprendizagem. Ignorar esse papel é desconhecer a prática da EaD. A maioria dos participantes da consulta destacou que tutoria é função acadêmica, não apenas técnica. É preciso que o novo marco regulatório reconheça isso formalmente.

A consulta sugeriu a criação de uma categoria regulatória específica para o modelo híbrido, certo?

João Mattar Sim, e essa foi uma das propostas mais relevantes. A maioria das instituições já adota práticas híbridas, que são aulas presenciais, atividades on-line, encontros síncronos, metodologias ativas. Criar uma categoria regulatória para o ensino híbrido/flexível traria clareza jurídica, segurança regulatória e incentivo à inovação. Seria uma forma de reconhecer a realidade atual sem engessar os modelos existentes.

A consulta mencionou o impacto da regulação sobre polos e compartilhamento de infraestrutura. Qual a posição da ABED?

João Mattar A consulta foi clara ao rejeitar a proibição do compartilhamento de polos por diferentes instituições. Isso é especialmente importante para municípios pequenos e regiões remotas. Impor a cada instituição um polo exclusivo inviabiliza economicamente a presença da EaDnesses territórios. O marco regulatório precisa preservar modelos viáveis que já funcionam, e não inviabilizá-losem nome de um ideal que não conversa com a realidade.

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Ainda há resistência à EaD na formação de professores. Por quê?

João Mattar Muito por desconhecimento. Ainda há quem confunda EaD com cursos improvisados, o que não corresponde à realidade. Também existe um ranço elitista em parte do discurso, como se estudar a distância fosse uma alternativa de segunda classe. Mas é justamente o contrário: a EaD rompeu barreiras. Permitiu que professores se formassem sem abandonar suas cidades, seus empregos, suas famílias. Ela é, na prática, a principal ferramenta de interiorização e inclusão do ensino superior no Brasil.

Como o senhor responde a quem diz que a EaD é tecnicamente inferior ao ensino presencial?

João Mattar Com dados. Temos instituições EaD com desempenho igual ou superior ao presencial no Enade. Temos evasão menor em cursos bem estruturados, avaliações positivas de empregadores, e um contingente de alunos extremamente engajado. O que determina a qualidade é o projeto pedagógico, a mediação docente, a infraestrutura e não se as aulas são presenciais ou a distância. O formato é um meio, não um fim.

É recorrente haver críticas públicas à formação de professores a distância. Como o senhor vê esse tipo de manifestação?

João Mattar É legítimo criticar, mas é preciso responsabilidade. Quando se usa uma metáfora como “formar professores on-line é como treinar cirurgiões por vídeo no YouTube”, como vimos recentemente, não se está discutindo política pública está se fazendo caricatura. Não se pode construir regulação com base em frases de efeito, mas sim em evidências e escuta qualificada. Comparar EaD com videozinho na internet é desonesto com quem estuda, ensina e transforma vidas por essa modalidade.

Um argumento recorrente é que “há vagas suficientes em cursos presenciais” e, portanto, não seria necessário expandir a EaD. Isso se sustenta?

João Mattar – Esse argumento ignora a realidade. Onde estão essas vagas? Em que horários? A que custo? Para quem vive em grandes centros urbanos, talvez pareça fácil. Mas a EaD chega onde o presencial não chega. Falar em vagas disponíveis sem considerar permanência, acesso real e infraestrutura local é repetir estatística sem compromisso com a realidade. Inclusão se faz levando em conta os obstáculos concretos que impedem alguém de estudar e a EaD remove muitos desses obstáculos.

A EaD forma bons professores?

João Mattar A EaD forma professores reais para desafios reais. Muitos dos melhores profissionais em sala de aula hoje foram formados em cursos a distância. São professores que enfrentam a precariedade, a violência, a falta de estrutura, e ainda assim fazem diferença. A EaDprepara esses profissionais para a realidade brasileira e com a vantagem de permitir que eles estudem em seus territórios, compreendendo os contextos locais. Isso é um ativo pedagógico, não um defeito.

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O que a sociedade precisa entender sobre a EaD nesse momento?

João Mattar Que ela é uma conquista. Que, com todos os seus desafios, a EaD democratizou o ensino superior. Que é possível e necessário aprimorar, fiscalizar e garantir padrões de qualidade. Mas sem retroceder. Sem apagar a história de milhares de pessoas que só chegaram ao diploma porque havia uma alternativa viável. O Brasil não precisa escolher entre qualidade e acesso. Pode (e deve!) ter os dois. A EaD é parte dessa equação.

O que a comunidade da EaD espera do MEC nesse momento?

João Mattar Uma transição regulatória responsável, dialogada, técnica e baseada em evidências. A consulta mostrou que há um forte desejo de melhoria, sim, mas não há espaço para retrocessos que penalizem os estudantes. Queremos qualidade, sim. Mas também queremos que essa qualidade não seja instrumento de elitização. A EaD, quando bem feita, é exigente, formadora e transformadora. O que precisamos é de um marco regulatório que reconheça isso, e não que trate a modalidade como um problema a ser contido.

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