Com um toque de 1989 e reedição do jingle de campanha mais conhecido da história do Brasil, cantado novamente por diversos músicos do país, Lula e Alckmin deram o pontapé inicial da mais polarizada eleição desde a redemocratização.
Aliás, o ex-governador de São Paulo, até ontem inimigo do petismo, “roubou a cena” com um discurso ainda melhor que o do ex-presidente na luta contra o bolsonarismo e a perpetuação no poder da extrema-direita brasileira.
Com Covid-19, claramente se esforçando para trazer uma imagem de Diretas Já para a campanha, Alckmin fez uma fala humilde, à altura do dramático momento da história brasileira, e inventando o prato popular mais improvável e surpreendente das últimas décadas: Lula com chuchu.
Deu tão certo que o petista levantou para aplaudir o colega de chapa e, quando pegou o microfone, encomendou à Bela Gil, chef de cozinha e apresentadora do evento, uma receita de chuchu com Lula para ser o prato da moda no Palácio do Planalto a partir de janeiro de 2023.
Mesmo projetando a vitória, Lula, que lidera as pesquisas, não pareceu arrogante. Com um discurso lido e não de improviso, ajustou uma fala austera que enfrentou todos os pontos cruciais do país, assim como fez Alckmin quando apareceu no telão do evento.
Lula chamou acertadamente a atenção para os absurdos de Jair Bolsonaro na pandemia que, por exemplo, tripudiou das mortes causadas pela doença ou impôs o negacionismo assassino antivacina sobre a população brasileira. “Ele [Bolsonaro] pode até se dizer cristão, mas não tem amor ao próximo”, disse o ex-presidente, num claro chamamento aos evangélicos e católicos.
O discurso de Lula lido disciplinadamente, como é feito por pré-candidatos em vários países do mundo, deu um tom de profissionalismo para a campanha, que claramente se organizou em um outro patamar para o evento de hoje.
O ex-presidente também chamou a atenção para os problemas econômicos, a grave crise gerada pela Covid-19, mas que no Brasil foi elevada a um outro nível por um presidente extremista, que atacou o tempo todo os outros poderes da República. “Viver ficou muito mais caro. O Brasil voltou a um passado sombrio que havíamos superado”.
O tom de Diretas Já não se constrói em um dia, mas no dia de hoje ganhou um pontapé inicial com força, falando para fora dos círculos esquerdistas: “Queremos unir todos os democratas contra a ameaça totalitária”, disse Lula.
O ex-presidente ia e voltava incluindo a Bíblia em seu discurso, afirmando que Bolsonaro mente sete vezes ao dia e – por que não? – usando trecho do versículo que o atual presidente não conhece, mas o usa com desfaçatez desde 2018: “a verdade liberta”.
Em meio ao “comício”, Lula anunciou o casamento com Janja, sua noiva, neste mês, se declarou apaixonado e afirmou não querer vingança pelo tempo que passou na prisão. Disse também que o país não pode perder tempo com o ódio e que o mundo verá a revolução mais pacífica da História neste ano. Conclamou os correligionários a não ter medo das fakenews, tão usadas pelo bolsonarismo.
Enquanto Alckmin disse que a chapa não é “nem a primeira, nem a segunda, nem a terceira via, mas a única via possível”, Lula citou várias vezes a palavra “soberania”, tocando em pontos como a inflação alta, o aumento da fome, e perda do poder aquisitivo em todas as classes.
A campanha deste ano pode ainda não ter começado oficialmente, segundo o calendário eleitoral, mas hoje, neste sábado, 7, ganhou sim o tempero que marcará o início de um dos mais importantes capítulos da democracia brasileira.
Na união improvável, que chama outros políticos brasileiros para as “novas Diretas”, Alckmin prometeu lealdade, Lula garantiu união. “Vamos ganhar com o sorriso e o amor”.
Enquanto sob o bolsonarismo o Brasil aparece como pária no mundo, um petista e um tucano histórico – desculpem, Lula com chuchu – podem mesmo virar o novo “hit da culinária brasileira” em 2022.