Filantropia brasileira institucionalizada precisa avançar em equidade
… e descentralização de investimentos
O Investimento Social Privado (ISP) e a filantropia institucionalizada brasileira parecem estar em um momento crucial de autorreflexão. O setor tem se mostrado cada vez mais complexo, com uma miríade de atores que vão desde organizações de infraestrutura e suporte — a exemplo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) — até instituições e fundos com diferentes práticas de governança, fontes de recursos e estratégias de atuação.
Este é o cenário trazido pela pesquisa “Olhares do ISP: reflexões e análises à luz do Censo GIFE”, apresentado nesta semana. Neste estudo qualitativo inédito, dezenas de lideranças de organizações filantrópicas associadas ao GIFE [www.gife.org.br] foram ouvidas e convidadas a expor suas percepções sobre temas centrais do universo do Investimento Social Privado.
Entre os principais desafios apontados para o ISP no país, destaca-se a necessidade de aumentar a confiança na filantropia institucionalizada para que seus resultados também se ampliem. Além disso, ressalta-se a importância de torná-la ainda mais colaborativa e integrada a outros setores da sociedade civil, da iniciativa privada e do poder público.
Outro desafio do setor é a centralização de investimentos na região sudeste e a urgência de enfrentamento às desigualdades internas que persistem. Prova disso é a concentração de pessoas brancas nos espaços de tomada de decisão, como os conselhos deliberativos e o quadro de lideranças executivas das organizações do ISP.
De fato, ao tratar do poder de decisão de pessoas negras e indígenas nos conselhos, o Censo GIFE 2022-2023 [https://sinapse.gife.org.br/download/censo-gife-2022-2023] evidenciou o baixo volume de recursos sobre os quais esse grupo têm poder decisório: equivale a apenas 17% do total movimentado por instituições que têm este tipo de instância colegiada.
Mesmo com desafios como estes, vislumbramos um campo que parece estar se abrindo à maior colaboração entre os atores. É possível perceber que, ao se diversificar, o setor permite aflorar outras formas de se fazer e “disputar” Investimento Social Privado, o que é muito benéfico em uma lógica mais democrática de pluralidade. Neste contexto, questões como o financiamento livre, as doações para movimentos sociais e a filantropia decolonial aparecem no centro da reflexão, ainda que se mostrem controversos para boa parte desses atores.
Embora se reconheça a falta de representatividade de gênero nos espaços de alta governança e a predominância de conselhos majoritariamente brancos e masculinos, têm crescido dentro das organizações a compreensão dessa desigualdade e os passos para a mudança.
Juntamente a essa sensação de progresso, percebe-se que, para grande parte dos entrevistados no estudo, as lideranças femininas dispõem de um olhar e de uma sensibilidade singular que potencializa os processos cotidianos de trabalho. Nesta lógica, os interlocutores observam uma maior inclusão de mulheres em cargos de gestão e direção, configurando uma mudança importante para o combate da discriminação de gênero no campo.
Movido pela intencionalidade de apoiar o setor a se qualificar em seus fazeres e debates, o GIFE cotidianamente se pergunta sobre o tamanho da contribuição do ISP na redução das desigualdades estruturais colocadas em nosso país. Também nos questionamos sobre questões que nos parecem latentes: as premissas que pautam a filantropia institucionalizada a partir dos associados e em meio aos desafios e às oportunidades do presente e do futuro.
As evidências levantadas neste estudo nos possibilitam acreditar em avanços e nas potencialidades do Investimento Social Privado brasileiro.
Diversificar e pluralizar cada vez mais o campo filantrópico é abraçar as incertezas, as relações, a co-construção e a cocriação, desenvolvendo princípios de voz ativa das pessoas e de comunidades, a participação, o pertencimento e o compartilhamento de decisões e poder.
*Patrícia Kunrath é coordenadora de Conhecimento do GIFE. Ivone Maio é diretora-executiva do Instituto Cíclica, realizador da pesquisa