Decisão do STF pode prejudicar indenizações em desastres como Brumadinho
Julgamento desta sexta pode retirar do MP a legitimidade para conduzir liquidações coletivas e afetar o acesso à justiça de milhares de vítimas

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem em pauta para esta sexta-feira, 17, o julgamento do Tema 1.270, que definirá se o Ministério Público (MP) possui legitimidade para conduzir liquidações coletivas de sentenças em ações civis públicas, inclusive naquelas iniciadas pela própria instituição.
A decisão pode afetar diretamente casos de reparação envolvendo milhares de cidadãos impactados por desastres socioambientais e falhas em serviços públicos, aumentando o ônus das vítimas para a obtenção das indenizações.
A liquidação coletiva é a fase do processo em que se quantifica, de forma padronizada, quanto cada pessoa atingida deve receber de indenização, evitando que todos precisem entrar com ações individuais. Restringir a atuação do MP nesse tipo de procedimento pode dificultar seriamente o acesso à justiça para vítimas em larga escala.
Um exemplo é o caso de Brumadinho: cinco anos após o rompimento da barragem da Vale, que resultou em 272 mortes, apenas 659 acordos individuais foram firmados. Estima-se que mais de 100 mil pessoas ainda aguardam reparação — algo atualmente viabilizado pela liquidação coletiva proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais.
Em Itatiaiuçu (MG), o MP, em colaboração com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), desenvolveu uma matriz de danos a partir da escuta direta das famílias. A iniciativa resultou em mais de 5.000 reuniões extrajudiciais e assegurou indenizações para mais de 3.200 pessoas, com participação popular e padronização dos valores.
No caso do apagão da Enel em São Paulo, que afetou mais de 2 milhões de consumidores em 2023, há receio de que uma eventual condenação perca efetividade se a liquidação individual se tornar a única via possível.
A execução de milhões de ações isoladas pode tornar inviável a reparação dos danos aos consumidores prejudicados.
Membros do MP também relembram o caso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), no qual o órgão obteve reconhecimento judicial de que a União havia repassado valores inferiores aos devidos aos municípios. Na fase de execução, escritórios de advocacia firmaram contratos com prefeituras, cobrando honorários de até 20% sobre os valores recuperados. Há o temor de que um modelo semelhante de “judicialização privatizada” possa se estender a vítimas individuais.
Para interlocutores do MP, a discussão ultrapassa o campo jurídico. Limitar a liquidação coletiva pode significar, na prática, o abandono de comunidades inteiras. Como resume uma fonte que acompanha o tema: “O risco envolve não apenas a perda do direito, mas o desconhecimento dessa perda por parte dos afetados.”