De que lado estão os líderes evangélicos na guerra entre Rússia e Ucrânia?
Teólogo Rodolfo Capler analisa o posicionamento neutro de boa parte das lideranças do segmento diante do conflito
“Já disseram! Homens fracos produzem tempos difíceis.” Esta foi uma das recentes declarações do pastor Silas Malafaia em seu perfil no Twitter, na última segunda-feira, 28. Malafaia fazia referência àquilo que denominou atitudes hipócritas e “frouxas” de líderes como Biden, Trudeau e Macron em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia. Para o pastor, presidente das Assembleias de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), Putin – o “homem forte da Rússia” – só invadiu a Ucrânia por conta da fraqueza e incoerência de tais líderes “esquerdopatas”.
O pronunciamento de Malafaia, além de revelar sua grande afeição a Putin, também reflete – de forma emblemática – o posicionamento hegemônico das principais lideranças evangélicas no Brasil em relação a atual guerra na Europa. Seguindo a postura de neutralidade apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro, boa parte dos principais líderes do segmento religioso se encontram “em cima do muro” diante do conflito.
Com postagens dúbias que deixam os fiéis confusos, pastores midiáticos que arrastam multidões de seguidores em suas redes sociais não se pronunciam contrários aos horrores da guerra. Outros, por sua vez, adotam o silêncio como forma de posicionamento. Tais atitudes nos levam a questionar a razão de tamanha omissão diante do mal. O que motiva o silêncio dos pastores em relação ao atual conflito no leste europeu?
Muito provavelmente, a passividade diante da guerra demonstrada por boa parte dos líderes evangélicos pode ser explicada pelo compromisso que assumem com a ideologia ultraconservadora que predomina os ambientes cristãos no país. Com a intenção de apoiar o presidente Bolsonaro, ou de não serem alvos de críticas de seus pares, muitos pastores temem serem taxados de “globalistas” ou de adeptos do “marxismo cultural”. Assim, a neutralidade ou a hesitação nos posicionamentos relativos à guerra tornou-se proeminente entre os lideres evangélicos.
É importante salientar que esta postura adotada por grande parte dos pastores brasileiros é, antes de tudo, vergonhosa e imoral. Neutralidade diante de um conflito injustificável – sob o ponto de vista moral – no qual milhares de civis inocentes estão sendo violados em seus direitos fundamentais e perdendo suas vidas é conivência com o mal e engajamento com a injustiça. Neste contexto, vale a pena rememorarmos as palavras de nosso grande jurista Rui Barbosa, que em sua palestra “O dever dos neutros na Grande Guerra” – ministrada aos alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, em 14 de julho de 1916, durante as comemorações do centenário da independência argentina – afirmou que em situações de guerra a neutralidade é sempre comprometimento com o lado opressor do conflito, pois “entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível”.
As lideranças evangélicas no Brasil precisam se lembrar, acima de tudo, que os cristãos devem ter um compromisso inegociável com o bem-estar comum e com a prosperidade de todos. Como bem observou o teólogo croata Miroslav Volf, a “fé cristã é uma fé profética que visa corrigir o mundo”. Dessa forma, a correção do mundo – pela perspectiva cristã – deve começar com a denúncia ativa de todas as suas injustiças, incluindo a guerra.
* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP