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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

Como fica a democracia no Brasil após ataques de seguidores de Bolsonaro

Lilia Schwarcz, Catarina Rochamonte, Francisco Bosco e Guilherme Casarões comentam a Rodolfo Capler o significado dos atos terroristas em Brasília

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 jan 2023, 20h31 - Publicado em 9 jan 2023, 17h45

Há 2 anos, em 6 de janeiro de 2021, partidários do ex-presidente americano Donald Trump, em uma tentativa de impedir a certificação da vitória de Joe Biden na eleição de 2020, invadiram o Capitólio (Sede do Legislativo dos Estados Unidos), depredando-o e deixando cinco mortos como resultado da ação terrorista. À época, 950 pessoas participantes da invasão foram presas e, atualmente, 350 estão sendo procuradas pela justiça americana. De modo semelhante, uma multidão de bolsonaristas radicais invadiram e vandalizaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília (DF), no último domingo, 8. Os invasores golpistas destruíram prédios, documentos públicos e obras de arte que decoravam os recintos dos prédios. As ações terroristas alarmaram o país, recebendo a desaprovação de 90% daqueles que fizeram menção aos ataques em redes sociais (segundo a apuração da Quaest) e se tornaram notícia em importantes jornais dos Estados Unidos, Europa e América Latina.

O próprio presidente Lula se manifestou publicamente durante os ataques, decretando intervenção federal na segurança do Distrito Federal. “Esses policiais que participaram disso não poderão ficar impunes e não poderão integrar a corporação porque não são de confiança da sociedade brasileira”, disse em entrevista em Araraquara, no interior de São Paulo. “Nós chamamos essas pessoas de fascistas, invadir a sede do governo, da Suprema Corte e do Congresso é abominável (…). Vou voltar para Brasília agora, vou visitar os três palácios que foram quebrados e pode ficar certo: isso não se repetirá. Vamos buscar saber quem financiou isso, quem pagava estadia, quem pagava churrasco todos os dias”, disse o chefe do Executivo.

Após os ataques terroristas, diligências foram tomadas com a apreensão de cerca de 40 ônibus que trouxeram pessoas de outras cidades à Brasília e com a prisão em flagrante de mais de 400 golpistas, que foram levados à Sede da Polícia Civil para prestarem depoimento. Os prejuízos aos cofres públicos estão sendo analisados pelos três poderes que já estão tomando algumas medidas tencionando ressarcimento.

Em face da atual conjuntura, identificar quem realmente são os maiores responsáveis pelas ações terroristas é tarefa premente do atual governo, como também de intelectuais e analistas políticos. “São vários os culpados. Há leniência do secretário de segurança do Distrito Federal, a conivência da polícia do Distrito Federal, aqueles que abertamente financiaram esses grupos, as autoridades que aderiram ao golpe, os bolsonaristas disfarçados de patriotas que depredaram a propriedade pública”, comenta Lilia Schwarcz, historiadora, antropóloga e professora titular no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP). “Existe uma conivência muito grande das polícias”, afirma Guilherme Casarões, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas. “É difícil falar num principal culpado, mas eu diria que por um lado é o ex-presidente Bolsonaro, pela negligência com que ele tratou esses atos e pelo silêncio dele nos dois meses após a derrota nas urnas. Isso tudo acabou estimulando esses manifestantes a insuflar essa posição antidemocrática na frente dos quartéis ou nas estradas”, explica o pesquisador. “A disposição golpista vem sendo anunciada, retoricamente, há tempos. De onde veio essa retórica? Evidentemente, de Bolsonaro e todas as lideranças institucionais e sociais que a defendem e a disseminaram (…). Essa retórica manteve por todo esse tempo uma cumplicidade com as Forças Armadas. A base de sustentação do golpismo bolsonarista são as Forças Armadas do Brasil, uma instituição obscurantista, corporativista, sem transparência, que nunca superou o complexo de poder moderador, nunca fez a devida transição para um papel democrático”, complementa Francisco Bosco, filósofo e ensaísta.

Catarina Rochamonte, escritora e doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFUSCAR), defende haver no mínimo três níveis de culpabilidade pela invasão. “Os que participaram efetivamente do ato; os que financiaram; e os que o incentivaram ideologicamente”, disse à coluna. “Convém, porém, não perder de vista que o que estamos vivenciando é o sintoma de uma crise. Não apenas uma crise de valores, de representatividade, uma crise não apenas política, mas também moral”, acrescenta.

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Para Bosco, que também é apresentador do Papo de Segunda na GNT, a invasão da Praça dos Três Poderes não pode ser interpretada como uma mera iniciativa de golpe. “Uma verdadeira tentativa de golpe não se realiza com um bando de senhorinhas e tiozões do pavê, que são o perfil demográfico mais visíveis dos atos bolsonaristas desde sempre. O que houve hoje foi um ato por meio do qual esses grupos manifestaram não reconhecer a legitimidade dos três poderes, cujos prédios eles invadiram (…). Mas, na verdade, a meu ver, em nenhum momento corremos o risco propriamente de um golpe no último domingo”, conclui. Em contrapartida, Schwarcz sustenta: “Esses são atos golpistas praticados por terroristas e vândalos que querem fazer valer apenas a vontade própria. São tentativas antidemocráticas de desafiar os três poderes constituídos. Os lugares selecionados foram muito simbólicos nesse sentido”. Análise distinta faz Rochamonte.

O futuro da democracia e o destino do bolsonarismo

Os ataques às instituições, nunca vistos nesta proporção em nossa história, suscita muitas preocupações e questionamentos em relação à solidez e estabilidade da nossa democracia. Conforme vários institutos internacionais que medem o status da democracia no mundo, desde o início do governo de Jair Bolsonaro houve um declínio na qualidade da democracia brasileira. Os constantes embates do poder Executivo com os demais poderes, testaram as nossas instituições e, em certa medida, feriram alguns de seus princípios. Agora, basta saber se a invasão à Praça dos Três Poderes e os atos terroristas que lhe sucederam fortalecerá ou esgarçará de vez a democracia no Brasil. “Este é só mais um desafio às instituições. É muito grave a negligência e a cumplicidade das polícias. Houve também conivência das Forças Armadas por não terem desocupado rapidamente os pontos de manifestações dos quartéis. Por outro lado, vimos uma reação muito rápida do presidente Lula e do ministro Flávio Dino, agindo celeremente contra esses manifestantes. No final das contas, eu não acho que isso vá gerar danos incontornáveis à democracia brasileira, que já passou por testes semelhantes desde 2013”, sustenta Casarões. Para Rochamonte, os impactos dos ataques à democracia brasileira são “imprevisíveis”. “Poderia dar ensejo a um processo de pacificação, moderação e desradicalização a partir da depuração, da separação do que seja uma saudável divergência política de um ataque aberto ao regime democrático; poderia ser a ocasião de uma reflexão responsável por todos aqueles que compõe o Estado brasileiro, mas o provável é que haja o recrudescimento de um autoritarismo já existente sob o pretexto de defesa da democracia”, enfatiza. Prever o que pode acontecer com o bolsonarismo também pode ser algo incerto, aponta Rochamonte. Conforme a filósofa “é possível que essa massa radicalizada se dissocie do ex-presidente”, todavia, “o extremismo de direita é um fenômeno global que transcende Bolsonaro no Brasil”, assegura.

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Bosco é mais categórico: “O bolsonarismo estabeleceu o que poderíamos chamar de uma lógica de “duplo sentido reverso”; cada acontecimento institucional, social ou cultural tem um sentido geral para as pessoas que veem o mundo segundo a ótica da democracia liberal; e outro sentido, inverso, para as pessoas imersas na visão populista de direita (…). Nesse sentido, o nosso 8 de janeiro não abala, por si só, o bolsonarismo, mas as consequências deverão ser profundas, em termos de responsabilizações pessoais”.

* Rodolfo Capler é teólogo, autor do livro “O país dos evangélicos” e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

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