Atentado em Washington desvia o foco da catástrofe humanitária em Gaza
E reforça a retórica belicista de Israel…

Não foi um ataque qualquer. O atentado que vitimou dois jovens funcionários da Embaixada de Israel em Washington, mortos diante do Museu Judaico da capital americana, é tudo o que o mundo não precisava. As vítimas — Sarah Lynn Milgrim e Yaron Lischinsky, às vésperas do noivado — foram alvejadas por um homem que gritou “Palestina Livre” e teria dito “eu fiz isso por Gaza”, segundo testemunhas.
Não há relativização possível para o antissemitismo. Mas há algo ainda mais perverso: o uso da tragédia para justificar novas tragédias. Benjamin Netanyahu reagiu com fúria, atacou líderes ocidentais e acusou Emmanuel Macron, Keir Starmer e Mark Carney de “estarem do lado errado da humanidade” — uma frase registrada em matéria aqui da VEJA, “Netanyahu diz que Macron, Starmer e Carney estão ‘do lado errado da humanidade’ por criticarem Israel”.
Essa retórica dura surge justamente no momento em que crescia a pressão internacional contra a condução da guerra por Israel. França, Reino Unido e Canadá haviam alertado para o uso desproporcional da força em Gaza e ameaçaram rever acordos diplomáticos e comerciais. A União Europeia, por sua vez, falava abertamente em revisar os laços com o governo Netanyahu caso as operações militares não cessassem. Esse movimento, ainda que insuficiente, começava a reequilibrar a narrativa. O ataque em Washington veio como um presente para os setores mais belicistas: muda o foco, reforça o clima de medo e abre espaço para endurecimentos internos e externos.
Enquanto isso, em Gaza, 2,3 milhões de pessoas vivem sob um bloqueio que gerou fome em larga escala. A ONU estima que mais de 90% da população enfrente algum grau de insegurança alimentar, e cerca de 500 mil palestinos convivem com a fome aguda. Apesar das promessas de liberação, a ajuda humanitária não chega com a escala e velocidade necessárias. A retórica do terror apenas alimenta mais terror. E cada novo ataque, como o de Washington, se torna pretexto para fechar ainda mais o cerco — política e militarmente.
O que esse episódio nos ensina, portanto, é que a violência gera apenas mais violência. Como sempre. É legítimo que famílias israelenses falem da sua dor e isso não pode ser minizado. Contudo, não pode ser usada como alavanca para massacres. Da mesma forma, o sofrimento palestino não pode ser ignorado em nome da segurança seletiva. Repudiar o terrorismo deve ser um ponto de partida ético, não um álibi político.
O mundo precisa de paz. Mas, antes disso, precisa de coragem para não se deixar sequestrar pela lógica do medo — que transforma luto em munição e legitima o uso da dor como arma de propaganda.