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Matheus Leitão

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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Asbury: o culto evangélico que começou, mas ainda não terminou 

Rodolfo Capler ouviu estudantes norte-americanos e conversou sobre o fenômeno religioso que persiste por mais de 150 horas ininterruptas

Por Rodolfo Capler
Atualizado em 15 fev 2023, 16h27 - Publicado em 15 fev 2023, 15h00

A universidade de Asbury, em Wilmore, Kentucky, Estados Unidos, experimenta um impressionante fenômeno religioso há mais de uma semana. Centenas de universitários se reúnem em oração e louvores ininterruptos que já duram mais de 150 horas. As imagens de jovens ajoelhados em lágrimas estão percorrendo os Estados Unidos, tendo chegado, inclusive, ao Brasil. O evento, que está sendo interpretado por alguns teólogos protestantes como um pequeno “despertamento espiritual” ou novo “avivamento” começou no último dia 08, quando alguns estudantes se reuniram para cultuar a Jesus na capela da Universidade de Asbury. A reunião, costumeira e despretensiosa, irrompeu em inúmeras expressões emocionais por parte dos jovens, que testemunharam estar dominados por um silencioso senso de transcendência.  O culto, que tinha hora para terminar, continuou e, até o momento, não se encerrou. O fenômeno, que já pode ser considerado uma espécie de repetição do chamado “avivamento de Asbury”, evento ocorrido na mesma universidade, em 1970, já atraiu a atenção de centenas de norte-americanos, que desejosos de experimentar o que lá acontece, estão saindo de várias partes dos Estados Unidos e se direcionando à pequena cidade de Asbury.

Visto de fora do movimento cristão-evangélico, pode ser interpretado como expressão de mero emocionalismo. Dentro do segmento religioso, a percepção corrente é a de que Asbury experimenta uma ação divina extraordinária, que pode resultar em envolvimento profundo com a fé cristã, arrependimento, conversões e engajamento missionário. Para a jovem Taylor McGaugh, 20, estudante de Psicologia da Universidade de Asbury, o campus experimenta algo nunca visto pela sua geração. “É verdadeiramente um momento na história de Asbury que nunca será esquecido. Quando ouvi falar sobre o que acontecia, fiquei confusa, mas, quando fui à capela da universidade, entendi que precisava daquela experiência e que muitos outros estudantes dela necessitavam”, disse em depoimento à coluna.  Ainda segundo McGaugh, o “avivamento de Asbury” está atraindo ao campus muitos missionários cristãos e estudantes de outras universidades. “Fiquei muito chocada quando as pessoas diziam que faculdades e missionários de todo o país, estavam chegando à Asbury. Eu nunca experimentei ou vi nada assim antes, então saber disso me deixou animada para tudo o virá depois desse avivamento”, afirma. Percepção semelhante tem a fazendeira, Nina Mullins. Criada no norte do Estado de Nova York, Mullins, 45, que hoje é mãe de dois adolescentes, é ex-aluna da universidade. “Eu me formei em 2000. Este reavivamento não foi planejado, porém, é muito belo. Não é estrondoso e cheio de sinais e maravilhas, os quais muitas vezes vem às nossas mentes quando pensamos na palavra avivamento. Em vez disso, é pacífico, suave e cheio de arrependimento e adoração”, descreve. A sensação de que o episódio de Asbury é de procedência transcendental também é compartilhada por Ethan Mayo, 23, ugandense de Kampala e filho de missionários estadunidenses. Entre os anos de 2017 a 2021, Mayo estudou em Asbury e se formou no ministério de jovens. “Em relação ao fenômeno, eu diria que nada mais é do que o Espírito Santo trabalhando. De forma alguma é uma produção feita pelo homem, mas surgiu aleatoriamente a partir de uma fome de ver Deus se mover”, relata. 

Em busca de uma experiência sobrenatural, Zachariah Lawson, aluno do Lindsey Wilson College, dirigiu a noite toda, de Columbia à Asbury. “Estive na Universidade de Asbury por 9 horas no último dia 10, da 1h30 às 10h45. Fiquei por lá durante toda a noite. Ouvi pela primeira vez sobre o que estava acontecendo por meio do nosso capelão aqui na escola, em seguida, mais tarde, por intermédio de um artigo”, revela. “O que mais me impressionou foram os estudantes de Asbury buscando e adorando a Deus durante toda a noite. Acredito que isso é reavivamento que está se espalhando para outras universidades e para o mundo!”.

Avivamento ou catarse coletiva

Em artigo na Christianity Today, Thomas H. McCall, professor de teologia no Asbury Theological Seminary, afirma que Asbury tem um histórico de experiências extáticas. “O que muitos não percebem é que Asbury tem uma história ainda mais extensa com os chamados avivamentos – incluindo um que aconteceu já em 1905 e outros dois ocorridos em 1970 e 2006, quando um culto numa capela estudantil perdurou  por quatro dias de adoração contínua, oração e louvor.” Para Augustus Nicodemos Lopes, teólogo e ex-chanceler da Universidade Makenzie, o que está acontecendo em Asbury pode ser mais um movimento de despertamento espiritual, marcado pela pregação bíblica, oração, quebrantamento, arrependimento, confissão de pecados, louvor e adoração e conversão às centenas – coisas que estão acontecendo em Asbury hoje. “Sei que para muitos cristãos um avivamento (despertamento ou reavivamento) está associado com manifestações como línguas, profecias, curas e milagres. Esses fenômenos estão ausentes na reunião que já dura mais de 7 dias na capela Asbury”, disse à coluna. “É possível que esses cristãos tenham dificuldade em considerar o que está acontecendo por lá como um autêntico avivamento espiritual, mas desconheço que explicação dariam para o fenômeno”, complementa. 

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Kenner Terra, pastor, teólogo pentecostal e doutor em Ciências da Religião, explica que o evento de Asbury pode ser interpretado como uma experiência extraordinária. Porém, ressalva que os historiadores dos avivamentos sublinham os impactos sociais do fenômeno. “As discussões pneumatológicas mais atuais tendem a identificar o Espírito na criação e descrevem essas manifestações extraordinárias, que seriam identificadas em expressões mais substanciais dessa latência pneumática na criação, como uma espécie de “densidade de presencialidade”, destaca.  Em suma, o que está acontecendo em Asbury, segundo Terra, pode ser tratado como uma experiência religiosa densa, o que gera afetividade efusiva, liturgia contínua e atração de grupos. 

Críticos do chamado avivamento de Asbury definem o evento como manifestação de uma catarse coletiva, fenômeno segundo o qual indivíduos alcançam o estado de libertação psíquica ao superarem algum trauma como medo, opressão ou outras perturbações da psique. Em resposta a essa objeção, Lopes, que também é pastor presbiteriano, afirma que o acontece em Asbury é de ordem espiritual. “A reconciliação com Deus e com o próximo, a consciência de perdão de pecados e a renovação da fé em Cristo produzem leveza de alma, sensação de paz e pureza, experiências que geralmente são chamadas de catarse”, esclarece. Mais adiante, o teólogo, categoricamente, reitera: “Eu não diria que o que está acontecendo em Asbury é uma catarse coletiva, mas um possível movimento espiritual de reconciliação com Deus e com o próximo. Já os efeitos emocionais disso podem ser identificados como uma catarse no entendimento contemporâneo da palavra”. Terra é mais assertivo: “A religião também é catarse. Então, não seria nada depreciativo se o fenômeno de Asbury também cumprisse essa função, pois é comum da experiência religiosa”.

Rodolfo Capler é colaborador desta coluna, autor de “O país dos evangélicos” (2022) e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

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