Avatar do usuário logado
Usuário
OLÁ, Usuário
Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Esquenta Black Friday: Assine VEJA por 7,99/mês
Imagem Blog

Matheus Leitão

Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog

As muitas cenas de um tributo histórico a Herzog na Catedral da Sé

A cena é assim. No 25 de outubro, a Sé lembrou que a ditadura não terminou para todos...

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 out 2025, 20h17 - Publicado em 26 out 2025, 15h57

A cena é assim. Na Catedral da Sé, cinquenta anos depois do assassinato de Vladimir Herzog, o telão projetava nomes de mortos e desaparecidos políticos. A memória e a verdade tomavam o ar. Cada nome que surgia impunha silêncio e exigia justiça.

A cena é assim. Lucas Herzog, neto de Vlado e Clarice, assistia ao desfile de histórias interrompidas com os olhos marejados. No momento em que surgiu o nome de João Carlos Hass Sobrinho, médico da Guerrilha do Araguaia morto em combate pela democracia, a coragem se manifestou em forma de lágrima. Mesmo os jovens já carregam o peso do que não esquecemos.

A cena é assim. O país começava a admitir o que familiares de vítimas sempre souberam, mas o que o Estado se recusou a dizer em voz alta — ou se recusava a dizer em voz alta até que Maria Elizabeth Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar, pediu perdão pelos crimes da ditadura.

A cena é assim. Ivo e André Herzog, lado a lado, sustentando um luto que nunca deveria ter sido empurrado para dentro de casa. Desde crianças, ouvindo da mãe Clarice que o assassinato do pai não era uma questão apenas familiar, mas do Brasil.

A cena é assim. José Carlos Dias dizia o que precisava ter sido dito há décadas: o Supremo Tribunal Federal precisa reconhecer que a anistia de 1979 não pode ser estendida a torturadores e agentes do Estado responsáveis por crimes contra a humanidade. Quando essa verdade finalmente é dita, até o ar parece circular melhor. O ato era também uma cobrança.

Continua após a publicidade

A cena é assim. Márcio José de Moraes, o juiz que, muito jovem, foi responsável por uma decisão que empurrou o país na direção certa, respondia a este colunista de onde vinha tanta coragem: “da minha juventude”. Senti nascer uma esperança de renovação institucional num país que tantas vezes decepciona quem acredita nele.

A cena é assim. Sérgio Gomes, o Serjão, citado pelo presidente em exercício Geraldo Alckmin, surgiu por trás do telão para garantir que nenhuma história passasse sozinha. O jornalista — um guardião discreto, atento a cada nome — ecoava, mais uma vez, que não deixaremos ninguém cair no esquecimento.

A cena é assim. Juca Kfouri, de olhos fechados, escutava a música tocada por Cida Moreira, a pianista que homenageava desaparecidos. Cinco décadas depois, o repórter estava no mesmo lugar, na mesma Sé, com a mesma fé na luta por um Brasil. Abraçada a Miriam, prometerem um ao outro: “democracia sempre!”.

Continua após a publicidade

A cena é assim. Dorrit Harazim, nossa mestra maior, com palavras doces na minha direção, enquanto percebia todos os jornalistas presentes, sem exceção, olhando para ela como um farol. Dorrit também estava na Sé há 50 anos.

A cena é assim. O professor Eugênio Bucci, com a elegância de sempre, ao lado do filho Mário, entoava o grito de “Sem Anistia”, que tomou a Sé várias vezes durante o ato inter-religioso — inclusive na fala precisa de Jurema Werneck.

A cena é assim. José Dirceu na primeira fila. Sua presença é justa diante da gigantesca liderança estudantil contra a ditadura. Nada no Brasil é simples quando o assunto é o regime militar — incluindo o principal nome trocado no sequestro do embaixador dos Estados Unidos. O incômodo faz parte do processo de enfrentar a história que temos.

Continua após a publicidade

A cena é assim. Criméia Schmidt, ao lado da irmã Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, me abraçou e brincou: “você está parecendo um pai de santo”, enquanto eu pensava em João Carlos Grabois, o Joca, neto de Maurício Grabois e filho de André Grabois, mortos pelos militares no Araguaia. João fugiu da guerrilha de carona na barriga da mãe e acabou preso e torturado antes de nascer, em São Paulo — assim como meu irmão Vladimir.

A cena é assim. A jornalista Bianca Santana chorava, tão sofrida, diante da foto da amiga Marielle Franco. Eu a abracei. Depois, sua mãe, Maria, a abraçou. O tempo se misturou naquele gesto. Aquela dor ligava passado e presente: torturas antigas, assassinatos recentes, democracia sempre ameaçada.

A cena é assim. Meu nome no banco da Catedral da Sé, ao lado da foto de “Gabriel Guaianases”, jovem preto e periférico assassinado pela polícia durante a pandemia. A pena de morte no Brasil existe — para o jovem preto. Nem é suspeito, nem vai a julgamento, nem vai preso, e já é executado sumariamente. O genocídio negro, a maior violência da nossa história junto com o extermínio dos indígenas, também no ato a Herzog.

Continua após a publicidade

A cena é assim. Um pedido de perdão ecoava na Sé. Perdão a Rubens Paiva, a Miriam Leitão e a seus filhos. Perdão a quem perdeu a vida, o lar, o corpo, a liberdade. Seguro a mão da minha mãe e penso que tantos sofreram muito mais — e que o perdão só se sustenta se vier acompanhado de compromisso.

Um compromisso que precisa ser público: nunca mais normalizar o horror. Nunca mais relativizar a tortura. Nunca mais chamar golpista de patriota. Nunca mais fingir que já superamos o que nem começamos a enfrentar plenamente.

A cena é assim. E eu escrevo porque ainda falta ar. Escrevo porque a democracia brasileira tenta se manter de pé com abraços, com lágrimas, com nomes que insistem em permanecer. Escrevo porque esta história não terminou. Estamos dentro dela.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

OFERTA CONTEÚDO LIBERADO

Digital Completo

A notícia em tempo real na palma da sua mão!
Chega de esperar! Informação quente, direto da fonte, onde você estiver.
De: R$ 16,90/mês Apenas R$ 1,99/mês
ECONOMIZE ATÉ 47% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 7,50)
De: R$ 55,90/mês
A partir de R$ 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$1,99/mês.