A semana em que assisti Paul McCartney duas vezes
Um dos privilegiados no show surpresa no Clube do Choro, eu vi meu ídolo tocar no mesmo palco em que já me apresentei tantas vezes como músico da cidade

Esta semana a história viva da música moderna desembarcou na capital federal para dar início a uma série de apresentações no Brasil. Sir Paul McCartney subiu ao palco da Arena BRB, em Brasília, às 20h45 desta quinta-feira, 30 e, ao som de “Can’t buy me love” emocionou de jovens a idosos.
A apresentação já constava na agenda oficial do cantor, que ainda passará por Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro.
No entanto foi na última segunda-feira, 27, que o ex-Beatle surpreendeu a todos ao anunciar um show inusitado no Clube do Choro de Brasília. O local, que tem capacidade máxima para 420 pessoas, recebeu, no dia seguinte pouco, mais de 200 sortudos que foram contemplados com quase 2h30 de um show com direito a banda completa. E eu era um deles.
Ainda não se sabe exatamente quais foram os critérios para sortear ou selecionar as pessoas que poderiam assistir a esse show, mas por ter adquirido o ingresso para o evento principal, a empresa que gerenciou os bilhetes me enviou, às 9h da terça-feira (28), um email cujo texto iniciava dizendo “Já pensou em assistir ao Paul McCartney no Clube do Choro? Então se prepare!”. Não pensei duas vezes e, 15 minutos depois eu já era proprietário de um daqueles tão desejados ingressos.
A ficha foi caindo à medida que eu ia entendendo o que estava prestes a acontecer ali. Por volta das 15h a banda chegou ao local e, às 15h40, desceu de um carro todo escuro um senhor de cabelos longos e lisos abraçando sua equipe e acenando para todos nós. Era Sir Paul McCartney. Um Beatle de 81 anos vivo – e muito vivo – na minha cidade e a pouco mais de 10 metros de distância de mim. Inacreditável!
A essa altura a emoção daquele pequeno grupo de contemplados, do qual eu fazia parte, já tomava conta de todo o perímetro. Não havia quem estivesse olhando para outra direção que não fosse para ele.
É um pouco difícil dizer com exatidão o horário em que o show começou. Por volta das 18h, ao som de “Hard days night”, teve início aquela jornada no mesmo palco em que já vi tantos nomes da música brasileira, e onde eu mesmo já me apresentei.
Era um verdadeiro show de música. Não havia possibilidade técnica pra grandes recursos visuais, como iluminações e imagens sincronizadas, fogos ou qualquer outra pirotecnia, artifícios vastamente utilizados pelo cantor em seus shows.
Éramos todos obrigados a nos concentrar apenas em assistir a performance de Paul e sua banda. Um enorme sacrifício (…)
O tempo em uma situação dessas parece correr de uma forma diferente. A produção exigiu que os celulares ficassem lacrados dentro dos nossos bolsos a partir do momento em que entramos no salão, o que tornou aquela experiência ainda mais exclusiva.
Era icônico olhar para os lados e ver pessoas de todas as idades cantando, dançando e se emocionando com as canções sem se distrair tentando enviar mensagens ou filmar o que acontecia. Estava tudo ali para ser visto e vivido naquele momento, como antigamente.
Há pouquíssimos registros do evento. Quase todos respeitaram a condição. Os que tentaram quebrar a regra durante a apresentação e retiraram seus celulares da sacolinha lacrada foram cordialmente convidados a se retirar pela equipe de Paul, que acompanhava a elegância e simpatia de seu chefe.
Diferente de um espetáculo tradicional, em estádios lotados, a proximidade da realeza com seus súditos ali era de pouco menos de 5 metros de distância. Era possível ouvir o barulho do elegante sapatênis preto e branco de Sir McCartney batendo no chão de madeira para marcar o tempo para a banda.
Logo ao lado dele, os guitarristas Rusty Anderson e Brian Ray tocavam com tanta alegria e entrega que ouvíamos o barulhinho das palhetas arrastando pelas cordas. Boa parte do som que escutávamos vinha diretamente dos auto-falantes dos amplificadores, e até mesmo o som acústico dos pratos da bateria chegava ali nos nossos ouvidos. Um som indescritível.
Na linha logo atrás, o simpático baterista Abraham Laboriel Jr esbanjava alegria e musicalidade tocando sua bateria (reduzida) e fazendo seus famosos vocais, caras e bocas cheias de humor, marca crucial dos espetáculos. Também compunham aquela parte no mapa de palco o icônico tecladista e multi-instrumentista Paul Wickens, Paul Burton (trombone), Kenji Fenton (saxofone) e Mike Davis (trompete).
Não houve grande diferença entre o setlist em relação ao show desta quinta-feira (30). Basicamente o ex-Beatle tocou mais clássicos da banda inglesa no Clube do Choro, enquanto no show principal explorou um pouco mais de seu repertório pessoal.
O ponto alto daquela noite certamente foi quando Paul tocou “Hey Jude”, já quase no final. Ali todos cantavam muito alto aquele maravilhoso “Nanana Nananana”, como se fôssemos um coral em uníssono. Chorei. Chorei muito. Todo mundo chorou muito, e duvido muito que tenham conseguido parar. Eu não parei ainda.
Tinha gente de todas as idades ali. Tinha celebridades também. Não havia outro sentimento senão o de que a música nos torna todos iguais. Nos abraçamos. A emoção era generalizada. Estávamos todos vibrando como nunca.
Ainda não sei como farei para dormir normalmente depois de viver tudo isso. Quando vou deitar, tudo volta como um lindo filme na mente. Houve momentos em que eu tive a nítida sensação de que Paul me viu olhando pra ele, com os meus olhos cheios de lágrimas.
Fica aqui este registro para ajudar a guardar na memória cada momento ali vivido e um dia contar aos meus filhos, netos e bisnetos sobre a semana em que vi e ouvi Sir Paul McCartney por duas vezes.

* Lucas Carvalho é jornalista e músico. Atualmente trabalha como diretor e produtor musical, guitarrista e violonista de apoio.