A onipresença das telas e seu impacto na vida e nas artes
Livro reúne artigos, ensaios, entrevistas e depoimentos de artistas e acadêmicos do Brasil e da França

Muito antes de os smartphones se tornarem elemento central da vida em sociedade, outros tipos de telas já condicionavam a forma como as pessoas interagiam entre si. A tendência sempre foi substituir o mundo real pelas telas – e o que ocorre agora é a intensificação desse processo.
Essa é uma das conclusões do livro “Temporalidades das Telas”, que a Editora Horizonte lança neste mês em Brasília. A obra foi organizada pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Junia Barreto e pelo pesquisador e consultor de comunicação Telmo Fadul.
O livro conta com colaborações de nomes como o premiado quadrinista Marcello Quintanilha, responsável pela capa, o escritor Jacques Fux, o arquiteto Sylvio de Podestá, a dramaturga e atriz Regiana Antonini, o psicanalista Christian Dunker e o poeta e videoartista Walter Silveira.

Entre as contribuições internacionais estão a do diretor do Museu de Arte Contemporânea de Lyon, Thierry Raspail, do artista tecnológico francês Fabien Zocco e do Diretor da Escola Nacional Louis-Lumière de Paris, Vincent Lowy.
Antes de compor a obra, eles participaram do II Encontro Entre Telas, organizado pelo Núcleo TELAA (Telas Eletrônicas, Literatura e Artes Audiovisuais), na UnB, em 2017.
Telmo Fadul conversou com a coluna.
Por que estudar as telas?
As telas surgiram ainda antes da escrita, quando o primeiro homem fez, voluntariamente, a primeira marca na primeira pedra. As telas são, portanto, anteriores à própria história. E existem porque a realidade é inapreensível na totalidade. É necessário delimitar uma a fração, destacar um pequeno pedaço do caos, para que se possa compreender. A tela se coloca entre nós e o mundo, constituindo-se, ao mesmo tempo, como mediação e barreira. Nós a utilizamos para ver, seja na página aberta do livro que nos instrui, seja no monitor do computador em frente ao qual passo os dias, seja a tela do celular que muitos usam para filmar shows, por exemplo. Esse último comportamento é o mais ilustrativo da situação atual, pois o sujeito troca a vivência material do ocorrido, carnal, palpável, pela função subalterna e inanimada de tripé humano. A importância do estudo das telas se deve, para além da onipresença delas, ao modo como têm substituído a experiência.
E como isso afeta a questão das temporalidades?
Apesar de o relógio correr da mesma maneira para todos, na mesma direção, com a mesma cadência sincrônica, o tempo é uma percepção individual, ou uma abstração. Daí a pluralidade mencionada no título da obra. As temporalidades têm sido engendradas pelas telas desde sempre. A diferença reside no fato de que, agora, ficamos cada vez menos longe delas. Todos têm a sua tela portátil, 24 horas por dia nos bolsos, numa relação de quase xifopagia, isto é, de irmãos siameses. A onipresença das telas transforma nossas percepções de tempo e espaço, visto que estamos inescapavelmente conectados, sob um fluxo ininterrupto e aceleradíssimo de informações.
As redes sociais estão inseridas nesse contexto?
As redes sociais têm fundamento nessa disposição de coisas e a aprofundam. Mark Zuckerberg disse que as pessoas iriam morar no Facebook. Ele acertou: só desconhecemos se era praga ou profecia. O sujeito mora dentro das telas, nas redes sociais, porquanto estas têm um poder de sedução irrecusável ao criarem a simulação da participação. No cinema, eu vejo o filme, posso até imaginar que sou um dos personagens, mas sei que não estou lá – e, consequentemente, preciso viver a minha vida. Tal lógica se inverte nas redes sociais: a ilusão se sobrepõe ao real, não sem prejuízos.
E quais os impactos na arte?
As telas – e as nossas relações com elas – condicionam a produção da arte, a percepção e o consumo. No atual estado de ubiquidade das telas, a sobrecarga sensorial leva a uma espécie de dessensibilização do observador, que não consegue sentir, na enxurrada de imagens, as gotas do sublime. Podemos falar, claro, de problemas de autenticidade e valor, ou originalidade e exclusividade. Porém, a pergunta que impera é: o que entregar a um público que espera pela gratificação instantânea? A profundidade exige paciência. Exige, em suma, o tempo que já não há.