Uísque, previsão furada e roupão na neve: o homem de Bolsonaro na Ucrânia
Embaixador Norton Rapesta, 64 anos, defendeu cooperação militar com ucranianos, ciceroneou Eduardo Bolsonaro no país e é dado a gracejos nas redes sociais

Em meio aos sinais erráticos do presidente Jair Bolsonaro (PL) a respeito da guerra na Ucrânia, o responsável por representar o governo brasileiro no país invadido pela Rússia de Vladimir Putin, o embaixador Norton Rapesta, é um diplomata experiente, mas também dado a gracejos nas redes sociais – em ao menos uma vez impróprio para o momento.
Na madrugada do último sábado, 26, dois dias após o início da invasão, Rapesta publicou em seu perfil no Facebook a foto de um copo de uísque, com uma legenda: “Depois de um dia longo e estressante me ofereci uma dose de um bom uísque! Ele ajuda a relaxar”. Ele apagou a postagem.
No ano passado, ele já havia publicado uma imagem bebendo cerveja dentro de um copo com gelo e um vídeo em que, usando apenas um roupão branco em um ambiente externo, narrava as maravilhas de usufruir de uma sauna em meio a 3 graus de temperatura. “Não é só na Finlândia que tem neve, aqui na Ucrânia, em Kiev, também tem. Neve, sauna e rio. Já saí da sauna e mergulhei no rio. Ali tem uns amigos fazendo churrasco, Ninguém aqui tem medo de neve”, narra no vídeo. Aliás, o diplomata tem uma paixão especial por neve, motivo de quase todas as suas postagens que restaram no Instagram, típicas de um turista. Não há mais publicações no Facebook e no Twitter.

Se Bolsonaro depender de seu tino de analista, estará perdido. À medida que líderes ocidentais intensificavam os alertas de que a Rússia pretendia invadir a Ucrânia e preocupavam os brasileiros residentes no país, Norton Rapesta se mostrou cético. No início de fevereiro, ao canal GloboNews, ele afirmou que não havia “fato concreto” que motivasse um plano de retirada. “Não estamos trabalhando com essa hipótese”, afirmou. “Temos dito que a vida segue normal, que nós diplomatas confiamos na diplomacia, e que fiquem tranquilos”, disse, antes de citar um “plano de contingência” que não impediu dias de angústia, medo e privação a brasileiros no país invadido. Depois da invasão russa, em contato com a revista Piauí, o tom havia mudado dramaticamente: “Aqui está tudo muito difícil. Não sei se vão jogar uma bomba na minha cabeça dentro de uma hora”.
Ao ser sabatinado no Senado e ter a indicação à Embaixada na Ucrânia aprovada, em setembro de 2020, Norton Rapesta disse que o país “está hoje no meio de uma disputa entre União Europeia, Estados Unidos e Rússia” e convidou senadores da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional a fazerem uma visita. Àquela altura, Putin já havia anexado a Crimeia há quase seis anos e fomentava a guerra civil nas regiões separatistas do Donbas, no leste ucraniano, ponto de partida do atual conflito.
Ainda durante a sabatina, feita por videoconferência, Rapesta via oportunidades para o Brasil na Ucrânia e declarou que o setor militar “seria importante área para cooperação” entre Brasília e Kiev. Em meados do ano passado, o diplomata ciceroneou uma visita do deputado Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP) à Ucrânia, na qual o filho Zero Três do presidente fez um tour pela indústria bélica local.
Carreira
Aos 64 anos, Rapesta concluiu o curso para diplomata em 1982 e desde então passou por postos em países como Guiana Francesa, onde foi Cônsul-Geral em Caiena (1997-1999), Finlândia (2011-2015), Angola (2015-2016) e Kuwait (2016-2020), nos quais foi embaixador até ser indicado por Bolsonaro ao cargo em Kiev, em agosto de 2020. Seu posto em solo ucraniano também inclui a representação diplomática brasileira na vizinha Moldávia.
Antes de iniciar a carreira como embaixador, o diplomata também foi o primeiro-secretário na missão brasileira junto à Comunidade Econômica Europeia (1999-2003), assistente e chefe da Divisão de Operações de Promoção Comercial do Itamaraty (2003-2009) e diretor do Departamento de Promoção Comercial e Investimentos da pasta (2009-2011). Na conclusão do Curso de Altos Estudos do Itamaraty, em 2007, o embaixador defendeu a tese intitulada “Exportação de Produtos de Defesa: importância estratégica e promoção comercial”.