Três fatores que explicam o fenômeno do ‘boom’ evangélico no Brasil
Projeções indicam que os protestantes poderão superar católicos no país a partir da próxima década
Há duas ou três décadas, a ideia de um Brasil majoritariamente evangélico soaria distante, quase inconcebível para a maioria das pessoas. Atualmente, a hipótese tornou-se não apenas possível, como bem próxima e até inevitável. Os protestantes, que representavam cerca de 22% da população em 2010, devem chegar a um terço da população no Censo de 2022, cujos detalhamentos ainda serão divulgados pelo IBGE, e, segundo projeções, devem ultrapassar os católicos a partir de 2032, como mostra reportagem de VEJA publicada nesta semana.
Caso esse cenário se concretize, os evangélicos poderão ostentar a proeza de, em menos de cem anos, sobrepujar uma identidade católica que predomina no Brasil há cinco séculos. Nos últimos 20 anos, o catolicismo perdeu uma média anual de 1% de fiéis brasileiros para outras religiões, sendo a maioria convertidos ao evangelicalismo, de acordo com dados do IBGE.
Segundo o cientista político Victor Araújo, da Universidade de Zurique, autor do estudo “Surgimento, trajetória e expansão das igrejas evangélicas no território brasileiro ao longo do último século”, a transição religiosa de católicos para evangélicos tem essencialmente três motores: a urbanização do país, a ineficácia do estado em atender a diversas regiões e a agilidade característica das igrejas evangélicas.
O êxodo rural das últimas décadas contribuiu fortemente para a conversão de católicos para evangélicos, já que a escassez de paróquias nas periferias urbanas motivou boa parte dos migrantes a buscar outros espaços cristãos — neste quesito, os evangélicos têm a vantagem competitiva de poder abrir templos sem a burocracia e as estruturas de comando centralizadas da Igreja Católica. “A descentralização facilita que as igrejas evangélicas se multipliquem e alcancem lugares aonde o catolicismo não chega”, explica Araújo. Mais além, a ausência de serviços públicos como educação e assistência psicológica em áreas mais vulneráveis gera um vácuo que é, efetivamente, preenchido pelos templos evangélicos locais — a igreja se torna local de alfabetização, tratamento de vícios, aconselhamento familiar e outras atividades fundamentais.
Uma análise mais subjetiva também ajuda a entender o apelo das igrejas protestantes, especialmente entre os jovens de até 30 anos, faixa em que os evangélicos (30%) já superam os católicos (26%), segundo a pesquisa Global Religion 2023, do instituto Ipsos. Um exemplo: os cultos evangélicos têm autonomia para incorporar elementos populares como funk e rap, flexibilidade que falta às longas e morosas missas católicas.
Outra liberdade de que gozam os protestantes é elaborar sua própria estrutura, podendo formar diáconos ou pastores dentre os próprios fiéis de cada igreja — em contrapartida, um padre só pode atuar após cursar um rigoroso seminário e, em geral, chega como “forasteiro” à comunidade para onde é enviado pela sua diocese. “Não é que o catolicismo não ‘queira’ estes fiéis. A Igreja Católica demorou a reconhecer mudanças culturais no Brasil e na América Latina e começou seus movimentos de renovação tarde demais”, avalia Araújo.