SP: Polícia investiga rede social por ‘live de violência’ com adolescentes
Plataforma Discord nega pedidos para banir grupo que incita transmissões ao vivo de automutilação, estupro, agressão e maus-tratos a animais

A rede social Discord tornou-se alvo de uma investigação da Polícia Civil de São Paulo por apologia à violência na internet. Segundo a polícia, a plataforma se recusa a banir uma comunidade que incentiva usuários a transmitir lives de abuso sexual, agressão, automutilação e maus-tratos a animais em comunidades acessadas por crianças e adolescentes.
O inquérito parte de uma transmissão realizada em 17 de janeiro, quando um usuário abriu uma live cortando os próprios pulsos em um canal público do Discord frequentado por adolescentes. O episódio foi detectado por policiais infiltrados do Núcleo de Observação e Análise Digital (Noad), que monitoram a atividade nas plataformas digitais — a polícia chegou a solicitar a interrupção emergencial do vídeo, mas a plataforma não agiu a tempo e o conteúdo foi derrubado minutos depois pelos administradores do grupo, já com centenas de espectadores.
A polícia não conseguiu identificar o autor, mas identificou que o atentado faz parte de uma ação coordenada que incita jovens a compartilhar “lives de violência explícita” em canais abertos. Os investigadores chegaram a rastrear uma comunidade fechada que comanda os ataques — a investigação contra o Discord foi aberta em 28 de março, após a rede se negar duas vezes a banir o grupo, pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Redes de violência se proliferam no Discord
Entre janeiro e março de 2025, as denúncias sobre conteúdo ilegal no Discord brasileiro dispararam 272% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, segundo dados da associação Safernet. De acordo com os investigadores, existem inúmeras comunidades no Discord onde a violência é tratada como um jogo, e os membros são incentivados a disseminar violência explícita pela web para subir na “hierarquia” interna.
“Neste grupo específico, o usuário entra como ‘soldado’ e pode ser promovido até ‘coronel’ transmitindo imagens ao vivo de abuso, crueldade animal e automutilação”, explica a delegada Lisandréa Salvariego, coordenadora do núcleo digital da Polícia Civil.
De acordo com a delegada, a comunidade também atua como canal de compra e venda de pornografia envolvendo menores de idade. Criado em 2024 por resolução da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, o Noad emprega policiais que atuam como infiltrados nas redes sociais para monitorar possíveis crimes e coletar provas no ambiente digital.
O Código Penal prevê pena de até seis meses de prisão e multa pelos crimes de incitação e apologia à violência — a punição pode se agravar se houver envolvimento de pessoas menores de idade, violação de privacidade e invasão de dispositivos eletrônicos.
Pela lei atual, contudo, a responsabilização das plataformas digitais é fraca e só ocorre quando a empresa se nega a cumprir uma ordem da Justiça para remover conteúdo, deixando grande parte da moderação das redes sociais a cargo das próprias controladoras. “O modelo atual de ‘denúncia-avaliação’ com uso de algoritmos está sujeito a falhas, e o próprio Discord, quando começou a atuar no Brasil, sequer tinha um canal para as autoridades requisitarem esse tipo de dado”, avalia Patrícia Peck, fundadora do escritório Peck Advogados, especializado em direito digital.
Até o momento, o Discord não se pronunciou publicamente sobre o caso e, segundo a polícia, o servidor do grupo criminoso permanece em funcionamento.