Quem é o ‘Rei do Lixo’, que pode complicar a vida de caciques do União
José Marcos Moura é peça-chave de esquema de desvio de recursos por meio de contratos com prefeituras administradas pelo partido, segundo a PF

Em uma cela no Centro de Observação Penal do Complexo Penitenciário de Salvador, há uma bomba armada que, se detonada, poderá causar sérios prejuízos aos principais dirigentes do União Brasil, um dos maiores partidos políticos do país. Preso desde o último dia 10, o empresário José Marcos Moura é, segundo a Polícia Federal, peça-chave de uma organização criminosa que teria desviado 1,4 bilhão de reais em recursos de emendas parlamentares por meio de contratos fraudulentos entre o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs) e prefeituras administradas por filiados à legenda.
Moura foi convocado a prestar depoimento na terça-feira, 17, mas preferiu ficar em silêncio. Um eventual acordo de colaboração premiada, no entanto, não é descartado pelos investigadores. A proposta foi colocada à mesa durante o depoimento, mas o empresário recusou o primeiro contato. Se abrir a boca, e a depender do que relatar, Moura poderá causar sérios danos políticos às principais lideranças do partido.
O empresário foi preso no âmbito da Operação Overclean, deflagrada pela Polícia Federal no dia 10. Além dele, outras quinze pessoas foram detidas, acusadas de participação no esquema. Moura é ligado ao primeiro vice-presidente nacional do União Brasil, ACM Neto. Suas empresas, que atuam no ramo de limpeza urbana, têm contratos bilionários com a prefeitura de Salvador desde a gestão de Neto (2013-2020), herdados pelo atual gestor e afilhado político Bruno Reis (União Brasil). Isso lhe rendeu a alcunha de “Rei do Lixo”. Além dos contratos públicos, Moura é sócio de Renata Magalhães na propriedade de um jatinho particular. Renata é irmã de ACM Neto.
Neste ano, o empresário aproximou-se também do presidente nacional do partido, Antonio Rueda, eleito em fevereiro para o cargo. A aproximação coincidiu com o aumento do volume do esquema. Segundo a Polícia Federal, de 1,4 bilhão de reais movimentados pelo grupo nos últimos quatro anos, mais da metade (824 milhões de reais) se refere a contratos firmados em 2024 com prefeituras administradas pelo União Brasil. De acordo com a PF, o esquema abrangia dezenas de municípios administrados pelo partido em dezessete estados.
Em relatório, a Polícia Federal aponta a citação a Ana Paula Magalhães, chefe de gabinete do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), nas negociações com suspeitos presos na operação para viabilizar contratos com prefeituras. Ana Paula aparece na troca de mensagens entre os suspeitos como “Ana Paula Davi”. Alcolumbre é o principal nome cotado para assumir a presidência do Senado a partir de fevereiro de 2025.
A operação também pode resvalar no deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA), que até pouco tempo atrás era o principal nome cotado para disputar a presidência da Câmara. Um dos presos da operação é o vereador eleito de Campo Formoso Francisco Manoel do Nascimento Neto, primo de Elmar. Quando a Overclean foi deflagrada, Francisco tentou se livrar, jogando pela janela, uma mala com mais de 220.000 reais em espécie, que foi apreendida.
Uma semana antes, a PF havia interceptado em uma aeronave particular mais de 1,5 milhão de reais em espécie em poder de suspeitos de participação no esquema. Na ocasião também foi apreendida uma planilha em que estavam listados contratos com prefeituras do Rio de Janeiro e Amapá no valor de 200 milhões de reais, além de uma menção à sigla MM, que investigadores acreditam se tratar de Marcos Moura.
Ao todo a Operação Overclean apreendeu em poder dos investigados 3,4 milhões de reais em espécie, além de 23 carros, três aeronaves, três barcos, seis imóveis e 38 relógios de alto padrão.