Pazuello sai atirando: boicote interno e pedido de políticos por ‘pixulé’
Em discurso de despedida, ex-ministro da Saúde conta ainda que faltavam 'honestidade' e 'probidade' na pasta quando ele assumiu
Eduardo Pazuello soltou o verbo em seu discurso de despedida para os servidores do Ministério da Saúde nesta quarta-feira, 24. Ao lado de seu substituto, Marcelo Queiroga, ele desabafou: afirmou que sofreu pressões de políticos interessados num “pixulé”, disse que levou para a pasta atributos militares como “probidade e honestidade” e que caiu depois de identificar um grupo de médicos do ministério disposto a boicotá-lo.
“Esse grupo tentou empurrar uma pseudo-nota técnica que nos colocaria em extrema vulnerabilidade, querendo que aquele medicamento, a partir dali, estivesse com critérios técnicos do ministério, e ele (o medicamento) não tinha”, afirmou o agora ex-ministro.
Pazuello contou ter reunido a equipe no final do mês passado para informar que sua gestão vinha sendo alvo de diferentes ofensivas. Disse também que, nessa reunião, ele previu que cairia muito em breve. Em nenhum momento, Pazuello citou os nomes dos que supostamente o aliciavam ou trabalhavam para derrubá-lo.
“Eu reuni toda minha equipe no dia 23 de fevereiro: fiz um quadrinho e mostrei todas as ações orquestradas contra o ministério. Eram 8! Falei que não tinha como nós chegarmos até o dia 20 de março. Marcelo foi consultado já no início de fevereiro”, afirmou Pazuello, citando Queiroga, ao seu lado, em silêncio.
Em seu discurso, o general disse que se recusou a atender pedidos de pessoas cujos nomes constavam numa lista enviada ao ministério por “uma liderança política”. “Ali começou a crise com a “liderança política que nós temos hoje […]”. Aí chegou no final do ano, uma carreata de gente pedindo dinheiro politicamente […]. Foi outra porrada, porque todos queriam o pixulé”, acusou o ex-ministro.
Pazuello foi além, ao justificar a razão pela qual o caixa do ministério é tão cobiçado, segundo ele. “O ministério é o foco, o aval das pressões políticas. Por quê? Por causa do dinheiro que é destinado aqui de forma discricionária […]. A operação de grana com fins políticos acontece aqui. Acabamos com 100%? Claro que não: 100% nem Jesus Cristo. Nós acabamos com muito”.
O ex-ministro disse textualmente que virtudes — segundo ele, próprias dos militares — como “honestidade” e “ética” estavam em falta no ministério quando ele assumiu. “Faltavam gestão, liderança, ética, probidade, honestidade, responsabilidade. Trouxemos esses atributos para onde, normalmente, pela própria construção política que se faz, não são atributos que vêm junto. Quais são os atributos que têm aqui: relacionamento, composição política, direcionamento de politicas não sei do quê. É um cargo político”, justificou.
“O ministério é o foco, o aval das pressões políticas. Por quê? Por causa do dinheiro que é destinado aqui de forma discricionária […]. A operação de grana com fins políticos acontece aqui. Acabamos com 100%? Claro que não: 100% nem Jesus Cristo. Nós acabamos com muito”
Em seu discurso-desabafo, Pazuello tentou ser didático e ilustrou situações com as quais, segundo ele, teve de lidar na Esplanada. “Quando você vem com atributos como esses, causa um olhar. As pessoas começam a te olhar diferente: ‘poxa, você não tem interesse?’ ‘Não’. ‘Não quer falar com a empresa tal?’ ‘Claro que não’. ‘Você não recebe empresa?’ ‘De jeito nenhum’. ‘Não vai aceitar o cara aqui fazendo lobby?’ ‘Não’. ‘Não vai favorecer o partido A, B ou C?’ ‘Claro que não’. ‘E o operador do fulano, beltrano?’ ‘Não’. Porra, vai dar merda. É assim que funciona”, afirmou.
Em dado momento, o orador desculpou-se com Queiroga e com a plateia de servidores por estar se alongando, o que, de acordo com ele, não é seu estilo. “Não posso sair daqui sem a gente compreender o movimento. O movimento é esse: fechou-se o cerco”, disse. E, de quebra, deu um conselho a Queiroga: “Atenda o SUS. Atenda os estados e municípios. Não se renda a pressões políticas”.
O ex-ministro disse que militares não possuem “conta bancária alta”, “carros caros”, “avião”. “Moramos em casas pequenas, quarto de hotel e andamos com carros de classe média”, completou.
Pazuello admitiu que, no final do ano passado, não esperava um crescimento tão avassalador da pandemia de Covid-19 em 2021. Argumentou que os pareceres técnicos a que tinha acesso apontavam para um cenário menos desolador e para a chegada de vacinas. “A perspetiva nossa no final do ano era outra […]. O cenário mais provável não aconteceu”, disse.
Ele também afirmou que a composição perfeita da pasta foi a que o antecedeu. Nela, havia o médico Nelson Teich como ministro e ele, Pazuello, numa função responsável pela gestão do ministério. Pazuello foi secretário-executivo de Teich, que ficou pouco menos de um mês no cargo.
Pazuello afirmou que não queria ter ido para o ministério e que só aceitou o convite porque Jair Bolsonaro teria-lhe incumbido de uma missão, um termo sagrado para os militares. “É claro que eu não queria vir. Quem é que já me ouviu dizer isso mil vezes? Eu estava comandando uma região militar que tinha quatro estados — Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre — e estava na preparação para fazer o combate à Covid. Precisávamos combater a Covid também na Amazônia”, lembrou.
Segundo Pazuello, ao chegar, ele não encontrou nenhuma informação deixada por antecessores: “Chegamos aqui, não tinha nada nem ninguém para nos dizer nada. Andávamos nos corredores e não havia ninguém”.
Marcelo Queiroga, que permaneceu em silêncio durante toda a explanação de Pazuello, elogiou o orador no final. Mas não só: aproveitou para dar uma cutucada no tom militaresco do general — em dado momento, Pazuello chegou a dizer que um servidor tinha “problema mental” por não ter conseguido responder a uma pergunta corretamente.
“Mesmo sem CRM, você salvou muitas vidas, meu amigo […]. Fala desse jeito de comandar a tropa (risos), mas a gente vê que é um sujeito de grande coração, e de coração eu entendo”, brincou Queiroga, que é cardiologista.
Veja abaixo vídeos com o discurso de Eduardo Pazuello:
1. “Começamos a descobrir o que era o Ministério da Saúde”
2. “Faltava gestão, liderança, ética e responsabilidade”
3. “Ih, vai dar m…”
4. “Ministério é alvo de pressões políticas”
5. “Carreata de gente pedindo dinheiro”
6. “Não passaríamos de março”
7. “Fiz o meu melhor”
8. “A história vai nos julgar”