Os indígenas de SC que suportaram massacres e podem fazer história no STF
Caso da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, no Alto Vale do Itajaí, vai definir rumo do marco temporal

Os indígenas Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, no Alto Vale do Itajaí (SC), sobreviveram a massacres, enfrentaram invasões em seu território e hoje estão no centro de um dos julgamentos mais polêmicos e importantes dos últimos anos: o do marco temporal, segundo o qual uma área só poderá ser demarcada se for comprovado que os indígenas a ocupavam em outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Como mostrou reportagem publicada na última edição de VEJA, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) após uma batalha jurídica entre a Funai e o governo de Santa Catarina, que reivindica parte da área indígena. O processo tem repercussão geral, ou seja, servirá de referência para todos os outros envolvendo demarcação de terras indígenas no país.
A população da terra Ibirama é de pouco mais de 2. 000 pessoas, incluindo indígenas Guarani e Kaigang, distribuídos em nove aldeias. A chegada dos colonizadores a Santa Catarina deu início ao conflito pela terra. Os Xokleng eram constantemente atacados por grupos de bugreiros (milicianos contratados para atacar os indígenas, chamados pejorativamente de “bugres”). Um massacre em 1904, narrado pelo extinto jornal Novidades, quase dizimou a comunidade. “Cortavam-se as orelhas. Cada par tinha preço. Às vezes, para mostrar, a gente trazia algumas mulheres e crianças”, relatou o bugreiro Ireno Pinheiro no livro “Os Índios Xokleng – Memória Visual”, do antropólogo Silvio Coelho dos Santos.
Em 1914, um servidor público de 18 anos, Eduardo de Lima e Silva Hoerhann — filho de um militar austríaco e sobrinho-neto de Duque de Caxias —, foi enviado pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) para mediar o primeiro contato pacífico entre os Xokleng e os brancos. Porém, os ataques e invasões persistiram. “Esse território foi invadido por colonos e madeireiros. Os indígenas ficaram décadas sem usufruir daquilo que a terra poderia oferecer em termos de caça, de frutas”, explica o antropólogo Alexandro Machado Namem, professor na Universidade Federal de Roraima e autor do livro Os Botocudo no Vale do Itajaí.
Em 1926, o governo estadual reconheceu os direitos dos Xokleng sobre uma área de 14.000 hectares, mas os indígenas sempre reivindicaram direitos sobre uma extensão maior. Em 2003, com base em estudos antropológicos, uma portaria da Funai fixou que o território deveria ser de 37 000 hectares. A decisão irritou produtores rurais, madeireiras e políticos da região. Em 2008, os então deputados federais Valdir Colatto e João Matos elaboraram um decreto legislativo para anular a ampliação da terra.
Barragem e reserva
Antes disso, os indígenas tiveram outros problemas no território. Durante a ditadura militar, a gestão de Ernesto Geisel declarou parte da terra Ibirama como de utilidade pública em meio à construção da chamada barragem Norte – 15% da área indígena foi utilizada para contenção das águas dos rios, inundando parte do território. “Isso impactou a população indígena e os colonos, muitos deles não eram invasores, que viviam naquela região”, afirma Namem.
Em 2009, o governo de Santa Catarina pediu a reintegração de posse de parte da terra Ibirama na Justiça — um trecho que está sobreposto a 10% da Reserva Biológica Estadual do Sassafrás, criada em 1977. Produtores rurais e madeireiras também reivindicam terrenos na região. Os Xokleng, no entanto, afirmam que não estavam lá em 1988 porque a violência os havia expulsado de boa parte do território.
A presidente do STF, Rosa Weber, colocou o assunto em pauta. O julgamento foi interrompido no dia 7, quando o ministro André Mendonça pediu vistas. Até então, o placar estava com dois votos contra o marco temporal (de Edson Fachin e Alexandre de Moraes) e um contra (Nunes Marques).