Autor do best-seller político Como as Democracias Morrem, o cientista político americano Steven Levitsky, professor da Universidade Harvard, acredita que Jair Bolsonaro (PL) pode até tentar um golpe caso saia derrotado na eleição deste ano, mas diz achar “difícil ele ter sucesso”. Para Levistsky, o presidente não tem apoio político nem institucional suficientes — como a posse de Alexandre de Moraes na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na terça-feira, 16, deixou claro — e a maioria dos militares não embarcaria em uma nova aventura autoritária. Na sua avaliação, a derrota de Donald Trump na última eleição e o fracasso da mobilização trumpista com a invasão do Capitólio também são indicativos que uma iniciativa semelhante capitaneada por Bolsonaro tenderia ao fracasso, até porque, segundo ele, o brasileiro é mais fraco que Trump, que tinha um dos dois partidos relevantes do país ao seu lado (o Republicano) e parte da Suprema Corte.
Leia abaixo a entrevista:
Por que o Brasil, os Estados Unidos e outros países pelo mundo elegeram líderes de direita em eleições recentes? Brasil e Estados Unidos são duas das maiores e mais diversas democracias presidenciais. Nos dois países, principalmente nos Estados Unidos, houve uma reação à inclusão que vem com a democracia. O país está se tornando uma das primeiras democracias multirraciais do mundo. Donald Trump e a vitória do Partido Republicano em 2016 representam uma reação contra isso. O Brasil, aos poucos, também tem se tornado uma sociedade mais inclusiva. O populismo de extrema-direita é um tipo de populismo que exclui, representa uma parcela específica da população. A América branca, e não toda a América. Isso é visto no Brasil e nos Estados Unidos, mas não é tão comum.
O senhor disse em uma entrevista que os Estados Unidos elegeram um presidente radical porque os americanos acreditam que a democracia estará sempre assegurada. Pensa o mesmo dos brasileiros em relação a Bolsonaro? A eleição de Bolsonaro foi o resultado de muita raiva, o Brasil estava sofrendo uma crise muito mais séria do que os Estados Unidos. Os Estados Unidos não estavam sofrendo uma crise em 2016. O Brasil estava. O PT é visto por muitos eleitores como o responsável por essa crise, e Bolsonaro se posicionou contra o petismo. Acho que o que colocou Bolsonaro no poder foi mais uma questão de mistura de azar com o sentimento de decepção de parte dos eleitores.
O quão grave é a ameaça à democracia no Brasil hoje? Há risco de golpe? É muito séria. Nós vimos essa ameaça nos Estados Unidos, onde o controle civil sobre os militares é muito mais forte. Apesar de 230 anos de uma Constituição bastante estável, houve uma tentativa de autogolpe. Então, se isso aconteceu com os americanos, é claro que poderia acontecer no Brasil. No entanto, o Brasil tem oposição e instituições democráticas muito fortes, então há uma chance grande de que a democracia sobreviva. Bolsonaro é mais fraco do que Trump porque é mais isolado politicamente. Os EUA têm dois partidos, Trump tinha total controle de um deles e a simpatia de parte da Suprema Corte. Agora há uma boa parte do establishment e da centro-direita rompendo com Bolsonaro. Mas há um risco alto de ele tentar de alguma forma interferir ou contestar a eleição. Ele precisa criar uma crise. Isso é o que a maioria dos autocratas faz para permanecer no poder. Bolsonaro tem apoiadores armados que poderão fazer algum tipo de protesto que leve à violência, o que pode ser usado como pretexto para mudar as regras ou dar um passo para “impor a ordem”. Mas ele não tem muito apoio da população, do establishment, e não acho que os militares entrariam em uma aventura autoritária. Será difícil ele ter sucesso se tentar um golpe.
O que as instituições devem fazer para assegurar a democracia no Brasil? As instituições têm que continuar a fazer o que fazem, que é defender o estado democrático de direito e se recusar a cooperar com Bolsonaro. Quando ele tentou mudar o sistema de voto, o Congresso se opôs. O STF também tem se levantado contra as ameaças do presidente. O Congresso tem feito a coisa certa, a Suprema Corte tem feito a coisa certa. Mas Bolsonaro pode tentar mobilizar os militares, e eles também terão que defender o Estado de Direito.
“Bolsonaro é mais fraco do que Trump porque é mais isolado politicamente. Os EUA têm dois partidos, Trump tinha total controle de um deles e a simpatia de parte da Suprema Corte.Agora há uma boa parte do establishment e da centro-direita rompendo com Bolsonaro“
O Congresso americano está investigando a invasão ao Capitólio. Haverá consequências para Trump? É difícil dizer, mas deveria. Ele tentou um golpe contra a democracia americana, ameaçou alterar o resultado da eleição e incitou a violência. Se isso não é crime, se isso não é algo pelo qual um ex-presidente deveria ser cobrado, eu não sei o que é. Mas se terá alguma consequência? Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Nós não sabemos. Tem muitos americanos no establishment e nos dois partidos que estão muito nervosos com as acusações contra Trump porque pode ser visto como politizado. Pode ser visto como o tipo de coisa que acontece em democracias falidas na América do Sul, onde houve prisão de opositores. O Brasil vivenciou algo parecido no caso do Lula. Eu não tenho como dizer se Lula é inocente, mas houve uma investigação claramente politizada contra ele, o que acabou sendo problemático. Mas eu acredito que é muito importante para a democracia que Trump seja acusado. Há muitas democracias, incluindo o Brasil, onde políticos poderosos foram de fato investigados e julgados de forma correta, como em Israel, Taiwan e Coreia do Sul.
O senhor falou no início sobre o populismo de extrema-direita. Como ele ameaça a democracia? Populistas são eleitos no regime democrático, apelam aos eleitores pobres e excluídos que não se sentem representados pela maior parte dos políticos, e eles dizem que realmente farão algo por essas pessoas. Mas quando são eleitos, os populistas quase sempre acabam atacando as instituições. Eles ganham com a promessa de esmagar a “velha política”, a elite política, e o problema é que eles descobrem que essa elite política ainda é muito poderosa no Congresso, nos tribunais, eles escreveram as regras, provavelmente a Constituição. A democracia é feita de várias instituições, não só da Presidência. Então é muito comum que um líder populista entre em conflito com essas instituições sobre as quais ele não tem controle, e também com a imprensa.
Acha que a campanha de Bolsonaro contra o sistema eleitoral e o STF pode ter consequências a longo prazo? Pode deixar uma marca de desconfiança do público nas instituições pelos próximos anos, por exemplo? O Brasil é polarizado, tem eleitores que estão com Bolsonaro, mas um número grande de pessoas que não acreditam em uma palavra do que ele diz. No entanto, acho que o que aconteceu nos Estados Unidos é um indicativo que sim. Trump falhou na tentativa de derrubar o resultado da eleição, mas ele conseguiu convencer muitos americanos de que as eleições são fraudadas, de que os Estados Unidos não são uma democracia, que Joe Biden não é um presidente legítimo. Acredito que algo muito parecido vai acontecer no Brasil.
“As instituições brasileiras têm que continuar a fazer o que fazem, que é defender o estado democrático de direito e se recusar a cooperar com Bolsonaro. Quando ele tentou mudar o sistema de votação, o Congresso se opôs. O STF também tem se levantado contra as ameaças do presidente”
Haverá bolsonarismo sem Bolsonaro? Bolsonaro, ao contrário de Trump, não tem um partido organizado. Eu acho que o bolsonarismo deve enfraquecer mais rápido do que o trumpismo. Trump tem um partido forte.
Se Lula for eleito, acredita que podemos esperar algo similar aos governos anteriores do PT? Ou deve haver uma mudança devido à crise que afetou o partido? É difícil dizer. Depende muito de Lula e do PT, depende das negociações entre Lula e outras forças políticas. Em geral, quando ex-presidentes voltam ao poder, tende a ser uma decepção grande. Há exemplos especialmente na América Latina, como Carlos Andrés Perez (Venezuela), Sebastián Piñera (Chile), Alan García (Peru). Então eu não teria expectativas muito altas em relação ao Lula, eu acho que depende do que ele e seus aliados decidirem fazer. O PT infelizmente nunca fez uma autocrítica pelo desastre no fim do último governo. Ainda há muito sentimento antipetista. Vai depender muito da economia, mas também vai depender muito do quão ampla será a coalizão que Lula vai conseguir construir em um eventual governo. Se ele reunir uma coalizão que se estende para o centro e centro-direita, a esquerda vai ficar decepcionada, mas eu acredito que poderia ser positivo. Se fizer uma volta acrítica para o governo partidário do PT, pode não ser o momento para isso, e pode ter um resultado trágico.