Gleisi ataca concessão de luz em SP; mas quem afinal deu o serviço à Enel?
Petista atribui crise à privatização feita por "tucanos, Temer, Bolsonaro e Guedes"; história, porém, é complexa e envolveu também gestões de Lula e Dilma
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, rebateu críticas da oposição que tentam ligar o apagão em São Paulo ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta segunda-feira, 14, a deputada acusou o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de “hipocrisia” e atribuiu a má gestão da Enel à privatização da concessionária.
“É muita hipocrisia de Nunes e Tarcísio tentar ligar o novo apagão de São Paulo ao governo federal. Quem vendeu (e vendeu mal) nossas empresas de energia foi a turma deles, dos tucanos, de [Michel] Temer, [Jair] Bolsonaro e [Paulo] Guedes”, publicou Gleisi em seu perfil oficial no X.
É muita hipocrisia de Nunes e Tarcísio tentar ligar o novo apagão de São Paulo ao governo federal. Quem vendeu (e vendeu mal) nossas empresas de energia foi a turma deles, dos tucanos, de Temer, Bolsonaro e Guedes. Privatizar serviço público de energia e água não deu certo em…
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) October 14, 2024
As declarações de Gleisi ocorrem em meio a uma nova crise energética que atinge a cidade de São Paulo, a região metropolitana e municípios do interior paulista desde a última sexta-feira, 11. Durante cerca de uma hora, o estado registrou ventos acima de 100 quilômetros por hora que causaram estragos generalizados, deixaram mais de 2,1 milhões de pessoas sem luz e resultaram em sete mortes em razão de quedas de árvores e desabamento de muros.
Na manhã desta segunda-feira, a Enel informou que 537 mil clientes ainda estão sem fornecimento de energia no estado, sendo 354 mil na capital, e que não há previsão de restabelecimento total do serviço.
Tiroteio eleitoral
Durante o final de semana, quando mais de um milhão de endereços ainda estavam sem luz, Ricardo Nunes disparou contra a Enel e chegou a classificar a empresa de “inimiga do povo paulistano”. Uma das alegações do prefeito é que a fiscalização da concessão é responsabilidade da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), um órgão federal, e que o poder do município para punir a concessionária é limitado, cobrando ação mais enérgica da União.
Nesta segunda-feira, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ao ser cobrado pelo governador Tarcísio de Freitas sobre as frouxas sanções impostas contra a Enel pela Aneel, disse que a atual gestão da agência foi nomeada durante a presidência de Jair Bolsonaro, “do qual ele [Tarcísio] foi destacado integrante” — entre 2019 e 2022, o governador de São Paulo foi titular do Ministério da Infraestrutura.
Sobre as falhas da ENEL em São Paulo: Gostaria de lembrar ao governador @tarcisiogdf , que a atual composição da ANEEL, entidade responsável pela fiscalização da Enel, foi nomeada com mandato, pelo governo anterior, do qual ele foi destacado integrante.
— Alexandre Silveira (@asilveiramg) October 13, 2024
Histórico complexo
O jogo de apontar culpados sobre o mau desempenho da Enel, porém, esbarra no complexo histórico da divisão de responsabilidades sobre o fornecimento de energia em São Paulo. Instalada em 1899 pela canadense São Paulo Railway, a infraestrutura ficou por oito décadas sob controle privado até a aquisição e estatização da rede pela Eletrobras, em 1979.
Nas quatro décadas seguintes, a operação foi transferida para a estatal paulista Eletropaulo, que depois foi fatiada e vendida pelo governador Mário Covas (PSDB) a um consórcio composto pela brasileira CSN e empresas francesas e americanas. A companhia posteriormente foi comprada pela americana AES Corporation; e, enfim, adquirida quase integralmente pela multinacional italiana Enel. O atual contrato de concessão foi firmado em 1998, pelo governo Mário Covas, por trinta anos, ou seja, vence em 2028. Segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a empresa tem até 2026 para dizer se pretende renovar a concessão.
Na prática, o processo de desmembramento e venda da infraestrutura elétrica paulista atravessou os mandados de quatro presidentes: Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. Em junho de 2022, a própria Eletrobras foi privatizada como parte de uma ampla agenda de desestatização no governo Bolsonaro, sob a tutela do então ministro da Economia, Paulo Guedes.
Aneel e Procon pressionam Enel
Pelo lado federal, a Aneel intimou a Enel a prestar esclarecimentos sobre as frequentes interrupções do fornecimento de luz, a lentidão nos reparos e os planos da empresa para aprimorar o serviço. “A percepção que temos é que a Enel, de fato, não tem atendido todas as expectativas com relação ao ano passado”, afirmou à imprensa o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, no último domingo, 13.
A concessionária tornou-se alvo, ainda, de notificação do Procon de São Paulo pela ineficiência na prestação de serviços. De acordo com o governo paulista, além da falta de luz, o apagão afetou a rede de distribuição da Sabesp e prejudicou o abastecimento de água na capital e arredores.
A Enel, por sua vez, afirma que acionou o plano de contingência para danos à estrutura elétrica e, ainda sem previsão para normalizar a situação, atribui a crise às condições climáticas. “De fato, o evento climático foi acima das previsões, mas isso nós, inclusive, vamos aprender a evoluir e ter melhores previsões”, declarou o presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lancastre, no último domingo.