Giro na Toscana e tanque fumegante: quem é o almirante acusado de golpismo
Almir Garnier Santos teria concordado com conspiração antidemocrática, segundo delação feita pelo tenente-coronel Mauro Cesar Cid

Apesar dos esforços das Forças Armadas para desvencilhar sua imagem dos catastróficos atos de 8 de janeiro, quando eleitores bolsonaristas depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, novas revelações voltam a manchar a reputação dos militares sob o comando de Jair Bolsonaro. Em delação premiada à Polícia Federal, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cesar Cid, disse que o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha, apoiou um plano de golpe de Estado e chegou a dizer ao ex-presidente que suas tropas estariam à disposição para a insurgência — a intervenção, segundo Cid, não foi adiante por falta de suporte do Exército e da Aeronáutica.
Empossado em 9 de abril de 2021, Garnier protagonizou controvérsias e desastres em quase dois anos à frente do Comando da Marinha. Um dos mais notáveis ocorreu em agosto do mesmo ano, quando organizou às pressas um desfile de tanques pela Esplanada dos Ministérios e em frente ao Palácio do Planalto, na mesma data em que o Congresso votava um projeto apoiado por Bolsonaro que reinstituiria o voto impresso nas eleições brasileiras — o comandante justificou a exibição como uma “coincidência de datas” com a Operação Formosa, exercício militar anual no município goianense, mas o ato foi interpretado como uma clara tentativa de intimidação contra os parlamentares. O tiro, no entanto, saiu pela culatra — durante a passagem, os tanques apresentaram defeito e começaram a fumegar, transformando a demonstração de força em um espetáculo que passou uma imagem de decadência.

No ano seguinte, Garnier também repercutiu negativamente entre as Forças Armadas ao viajar com a esposa e convidados à Itália para uma cerimônia militar — ao contrário dos colegas do Exército e da Aeronáutica, contudo, ele dispensou o voo comercial e usou um jato da Força Aérea Brasileira (FAB). Após três dias na Toscana, a aeronave rumou com o comandante a bordo para a Turquia, onde ficou por quatro dias para uma suposta missão oficial, e ainda parou por um dia em Portugal antes de retornar ao Brasil.
Em novembro de 2022, após ser derrotado nas urnas, Bolsonaro convocou Garnier e os outros dois chefes das Forças Armadas — Marco Antônio Freire Gomes, do Exército, e Carlos de Almeida Baptista Júnior, da Aeronáutica — para uma reunião no Planalto, onde discutiram as manifestações de bolsonaristas em frente aos quartéis convocando uma intervenção militar no país. O resultado do encontro foi um documento em que os três comandantes não apenas se abstiveram de repudiar os protestos, como também reafirmaram seu “compromisso irrestrito e inabalável com o povo brasileiro” e defenderam o direito “à livre manifestação do pensamento”.

Em 5 de janeiro deste ano, o almirante aproveitou seu último dia no cargo para causar um novo constrangimento: não compareceu à posse de Marcos Sampaio Olsen, seu sucessor nomeado por Lula, algo inédito na história brasileira. A quebra de protocolo continua até hoje com o perfil pessoal de Garnier no Instagram — criado em maio de 2021 como “Comandante MB”, prática incomum, que gerou desconforto entre militares, a conta trocou de nome para “Almirante Garnier” em 1º de janeiro de 2023, mas manteve o nome de usuário “comandante.mb”. Desde 19 de agosto, o ex-comandante está calado na rede social.
Currículo
O almirante de esquadra (quatro estrelas) Almir Garnier Santos é carioca, tem 62 anos e era secretário-geral do Ministério da Defesa antes de assumir o Comando da Marinha, por escolha de Bolsonaro, em abril de 2021. Ele está na Marinha há 45 anos. Ingressou na Escola Naval em 1978 e concluiu o curso de formação de oficial em 1981, como primeiro colocado no Corpo da Armada.
Também realizou os cursos da carreira militar e ainda concluiu mestrado em pesquisa operacional e análise de sistemas na Naval Postgraduate School (NPS), nos Estados Unidos, e MBA em gestão internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ao longo da carreira, Garnier serviu em embarcações como as fragatas Independência e União e o Navio-Escola Brasil. Também comandou o navio de apoio logístico Almirante Gastão Motta e a Escola de Guerra Naval e o 2º Distrito Naval.
Repercussão
Na quinta-feira, 21, ao ser questionado sobre se Garnier tinha inclinação golpista, o ministro da Defesa, José Múcio, disse que “sabia, mas ele passou”. “Olha, ele não me recebeu para conversar. Depois, nós nos encontramos, eu conversei”, afirmou o ministro sobre a transição de governo. “Era uma posição pessoal. Havia um presidente eleito, havia um presidente empossado, a Justiça promulgou, de maneira que nós estávamos 100% do lado da lei, e ele não”, completou.
No mesmo dia, a Marinha do Brasil afirmou em nota que “eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força” e que se coloca “à disposição da Justiça para contribuir integralmente com as investigações” sobre a conduta de seu ex-comandante.
“A Marinha do Brasil reitera, ainda, que eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força e que permanece à disposição da Justiça para contribuir integralmente com as investigações”, diz trecho da nota.
No documento, a Marinha também reforça a sua missão constitucional e seu compromisso com a sociedade e afirma que “pauta sua conduta pela fiel observância da legislação, valores éticos e transparência”.