Entenda como e por que a Enel pode perder o contrato com o governo
Concessionária de energia elétrica que atende São Paulo e região metropolitana está na mira do governo por causa de apagões no abastecimento

O último apagão que atingiu a cidade de São Paulo deixou 3,1 milhões de residências sem luz desde a sexta-feira, 11, e colocou a Enel, empresa responsável pelo serviço, novamente na mira das autoridades. Políticos como o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), vêm defendendo publicamente a rescisão do acordo com a empresa de origem italiana. Mas qual seria o caminho e sob quais condições isso poderia ocorrer?
O contrato para o serviço foi feito entre a concessionária e o governo federal, e por isso o primeiro passo de uma eventual rescisão passa necessariamente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entidade com competência para fiscalizar e gerir esse contrato.
O contrato feito com a Enel é de 30 anos e está previsto para acabar em junho de 2028, quando pode ser renovado por mais três décadas. Para ele ser encerrado antes disso, a Aneel precisa dizer que houve descumprimento das exigências da concessão e abrir um processo administrativo pedindo ao governo federal a caducidade do contrato (nome específico dado à rescisão nesse caso). Nesse processo, a Enel terá direito de se defender e apresentar suas provas. Mesmo que a Aneel peça imediatamente a caducidade, é obrigatório seguir esse rito.
Durante a tramitação desse processo administrativo, há a possibilidade de que seja nomeado um interventor, por tempo determinado, por meio de decreto do presidente da República. O interventor assume a administração da companhia e, no final do período do decreto, o processo administrativo precisa concluir se houve mesmo irregularidade (a ponto de o contrato de concessão caducar) ou se é possível devolver a administração da empresa.
Se o contrato for, no final, realmente encerrado, a empresa concessionária (no caso, a Enel) ainda pode pleitear uma indenização ao governo. “Não é um processo simples. Embora a caducidade seja consequência de uma má atuação, o simples ato de decretá-lo não significa que não haja necessidade de pagar uma possível indenização à concessionária”, explica o advogado Rafael Marinangelo, pós-doutor em direito pela USP e especialista em infraestrutura e processos licitatórios. “Se a concessisonária já tiver multas, por exemplo, elas podem ser compensadas no processo de caducidade”, complementa. Como mostrou VEJA, a Enel já deve 261 milhões de reais em multas em São Paulo e só pagou 18% desse valor.
Outro óbice para a decretação da caducidade é que o governo precisa ter outra empresa já disponível para oferecer esse mesmo serviço. “Uma vez encerrado o contrato, tem que colocar outra no lugar”, explica o advogado. A atuação da Aneel na fiscalização dos contratos de energia deixou-a na mira da Controladoria-Geral da União (CGU), que vai, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fazer uma auditoria sobre a atuação do órgão. Na terça, 15, a agência abriu uma consulta pública, que vai até o começo de dezembro, sobre a renovação dos dezenove contratos de concessão de energia vigentes no país.