Dois em três brasileiros usam serviços de IA, diz pesquisa inédita
Mapeamento inédito realizado pela Talk Inc indica predominância de uso por jovens e mais ricos e alerta para 'dependência emocional' de robôs
O avanço vertiginoso das tecnologias de inteligência artificial (IA) em todo o mundo já é realidade, também, no Brasil. Uma pesquisa inédita realizada pelo estúdio Talk Inc indica que 63% dos brasileiros já utilizaram algum serviço do tipo para fins profissionais ou na vida pessoal — destes, mais de 70% relatam que o uso começou há menos de um ano.
O levantamento aponta que o emprego mais frequente da IA ocorre para realizar tarefas diárias com ajuda de assistentes virtuais — exemplos conhecidos são os serviços Alexa (Amazon), Siri (Apple) e Cortana (Microsoft). A funcionalidade foi citada por 57% dos entrevistados que declaram utilizar robôs do tipo na vida pessoal.
Em seguida, aparece o uso para gerar ou aprimorar a escrita, categoria em que se destaca o ChatGPT (OpenAI). O famoso robô que elabora textos a partir de prompts (“comandos”, em inglês) é imensamente popular entre os jovens da geração Z e pelas classes sociais mais ricas — entre os participantes da pesquisa, 76% dos entrevistados entre 18 e 24 anos de idade dizem usar a ferramenta, bem como 64% dos integrantes da classe A (renda mensal acima de 20 salários mínimos).
‘Intimidade artificial’ pode gerar dependência, alerta pesquisadora
A sócia-fundadora da Talk Inc e coordenadora da pesquisa, Carla Mayumi, ressalta que existe uma tendência crescente, mais forte entre os jovens, de fortalecimento de relações emocionais com a IA. “Os usuários estão desenvolvendo uma espécie de intimidade artificial com programas que, hoje, se resumem a texto e voz, mas em breve evoluirão para avatares, amigos virtuais e até robôs físicos”, relata.
De fato, os dados apontam para uma prática, ainda tímida no Brasil, de recorrer aos robôs para conselhos sobre questões mais íntimas, como relacionamentos amorosos e amizades. Entre os entrevistados, 13% afirmam usar sistemas de IA no cotidiano como amigos ou conselheiros — uma participante, segundo a pesquisadora, chegou a relatar que inicia uma conversa com o programa virtual imediatamente após suas sessões de psicoterapia para ouvir uma “segunda opinião”.
Um número que chama à atenção: um terço dos entrevistados concordam ou não se opõem à possibilidade de alguém se casar com uma inteligência artificial. Outros 60% dos usuários afirmam que, ao interagir com um robô, se portam de forma tão educada quanto fariam com outro ser humano. “Já existem estudos que sugerem uma ‘epidemia de solidão’ na modernidade e alguns sistemas de IA criados com outros fins acabam suprindo essa lacuna emocional — os próprios desenvolvedores já expressaram preocupações sobre ‘dependência emocional’ de robôs”, avalia Mayumi.
Em empresas que não adotam IA, funcionários buscam robôs por conta própria
Em relação ao uso profissional, o cenário de adoção “oficial” da IA no Brasil ainda é tímido. Entre os mil participantes da pesquisa, apenas 29% têm certeza de que as empresas onde trabalham já empregam abertamente sistemas de inteligência artificial. Os recortes demográficos indicam que o trabalho auxiliado por IA é mais comum entre os mais ricos, a maioria funcionários de grandes companhias e, com frequência, do setor de tecnologia.
Por outro lado, há evidências crescentes de trabalhadores que, por iniciativa própria, procuram e começam a utilizar robôs para auxiliar em tarefas profissionais — muitas vezes, sem que seus chefes ou clientes fiquem sabendo. Ao menos 20% dos funcionários de empresas que não empregam IA confirmam já terem usado sistemas de inteligência artificial no trabalho.
Em alguns casos, os relatos de adoção de IA por livre iniciativa vêm de trabalhadores em funções menos complexas e mais burocráticas e repetitivas. A coordenadora da pesquisa alerta que, embora a tecnologia ajude na produtividade, existem riscos associados. “Conversando com secretários e atendentes, muitos demonstram não ter noção de que estão ensinando o robô a desempenhar seu próprio serviço, e do perigo de serem substituídos”, afirma Mayumi.