Do RJ ao Nordeste: como a geografia da violência mudou em cinco anos
Avanço de faccões em busca de novos territórios e rotas para o tráfico de drogas colocou Bahia, Pernambuco e Ceará no topo do ranking de assassinatos
O espraiamento das facções criminosas pelo país, em busca da consolidação de novos territórios e novas rotas para o tráfico internacional de drogas, aliado às dificuldades enfrentadas pelos governos locais, provocou ao menos uma mudança importante na geografia da violência no país em 2024: pela primeira vez desde 2020, quando o Ministério da Justiça passou a consolidar os dados estaduais, três estados do Nordeste estão no topo do ranking dos assassinatos no país.
Como mostra reportagem de VEJA na edição desta semana, entre janeiro e abril deste ano, Bahia, Pernambuco e Ceará nesta ordem, registraram mais homicídios em números absolutos do que localidades mais populosas como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Foi também a primeira vez que o Rio de Janeiro não figurou entre os “top 3” dos estados mais violentos do país.
Veja abaixo o ranking dos três estados com mais vítimas de homicídios nos quatro primeiros meses de cada ano.
2020
- Bahia: 1.944
- Rio de Janeiro: 1.495
- Ceará: 1.482
2021
- Bahia: 1.941
- Rio de Janeiro: 1.320
- Ceará: 1.050
2022
- Bahia: 1.712
- Pernambuco: 1.176
- Rio de Janeiro: 1.119
2023
- Bahia: 1.647
- Rio de Janeiro: 1.307
- Pernambuco: 1.116
2024
- Bahia: 1.488
- Pernambuco: 1.250
- Ceará: 1.106
A violência extrema no Nordeste não se resume a Bahia, Pernambuco e Ceará. A região concentra quase a metade de todas as vítimas de assassinatos no país. Quando o ranking de homicídios é feito levando-se em consideração a taxa de vítimas por 100 mil habitantes, o cenário é ainda mais desolador. Sete dos dez estados mais violentos são do Nordeste — os outros três são da região Norte. (veja quadro abaixo).
Facções estendem seus tentáculos pelo Nordeste
O Nordeste está sendo impactado principalmente pela expansão do narcotráfico, em especial de duas facções criminosas: o Comando Vermelho, que tem origem no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), oriundo de São Paulo, que buscam postos-chave para a exportação de cocaína para Europa e África, como as zonas portuárias de Salvador e Aratu (BA), Mucuripe (CE) e Recife e Suape (PE).
Nas últimas quatro décadas, esses dois grupos dominaram periferias do Rio e São Paulo e estenderam seus tentáculos para outros estados por meio de disputas territoriais sangrentas. “Diversos estados do Nordeste tornaram-se rotas estratégicas para o escoamento da produção de drogas vindas dos países andinos”, diz José Luiz Ratton, coordenador do Núcleo de Estudos em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da UFPE e pesquisador da Fiocruz Pernambuco.
A alta de mortes é reflexo de um narcotráfico fragmentado em grupos locais, que vêm firmando alianças com o CV e o PCC e travando confrontos cada vez mais frequentes. Um exemplo é o Bonde do Maluco, gangue formada em 2015 na Bahia, que se aliou ao PCC e hoje é considerada uma das organizações mais perigosas do país. As operações armadas são comandadas dos presídios, onde as condições precárias criam ambientes ideais para o recrutamento de novos “soldados” pelo crime organizado.
Impacto político
Essa dificuldade no controle da criminalidade se tornou um problema político para os governadores da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB) e do Ceará, Elmano de Freitas (PT), que devem buscar a reeleição em 2026. O quadro pode influenciar também o desempenho de seus aliados também na eleição municipal deste ano.