De Sarney a Lula, o acervo presidencial já rendeu muitas dores de cabeça
Caso das joias de Bolsonaro suscitou problema que ex-chefes têm após fim do mandato: o armazenamento de presentes é responsabilidade de quem está de saída
Revelado no início de março, o caso das joias sauditas de Jair Bolsonaro parecia a bala de prata na imagem do ex-presidente, resvalando diretamente também na ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Reportagem da edição de VEJA desta semana mostra os detalhes da investigação da Polícia Federal, que, até agora, apontam que o ex-presidente dificilmente será indiciado. Essa é a conclusão a que se pode chegar após a leitura de depoimentos dos envolvidos — que são unânimes em confirmar o que Bolsonaro vem dizendo: ele ficou sabendo do imbróglio mais de treze meses depois da chegada das joias.
O caso suscitou pontos inegáveis: a nebulosa regulação que rege a destinação de presentes do acervo presidencial e como os milhares de regalos recebidos por presidentes em exercício acabam se tornando uma dor de cabeça eterna a seus donos. Por lei, os itens, após o fim do mandato, são de responsabilidade de quem deixa o cargo.
José Sarney, por exemplo, passou por apuros após a Fundação Sarney, que mantinha seu acervo no Maranhão, ter declarado em 2011 não ter mais recursos para mantê-lo. Como solução, a então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, acabou criando a Fundação da Memória Republicana Brasileira — a instituição, mantida com dinheiro público, recebeu os itens como doação. Quando Flávio Dino (hoje PSB) assumiu o Executivo estadual, chegou a fechar a fundação, ameaçou privatizá-la, mas depois voltou atrás e reabriu o espaço — com a condição de que não houvesse “culto à personalidade”.
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também mantém seu acervo em uma instituição própria — a Fundação FHC, em São Paulo –, financiado por doações de empresas e pessoas físicas. Já Dilma Rousseff (PT), após o impeachment de 2016, levou seus presentes em quatro caminhões para Porto Alegre, onde tem um apartamento.
No caso de Lula, parte do acervo foi acomodado em um apartamento vizinho ao do endereço em que o petista vivia à época, em São Bernardo do Campo (SP). Usado por Lula desde 2003, o imóvel teve o aluguel inicialmente pago pelo PT, e depois a despesa ficou a cargo do governo — que dizia que o local era parte da estratégia de segurança do presidente.
Em 2011, o imóvel do acervo foi comprado por Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula que chegou a ser preso na Operação Lava Jato. Costamarques declarou ter firmado um contrato de locação com a ex-primeira-dama Marisa Letícia, com início em fevereiro do mesmo ano. Os aluguéis apenas começaram a ser quitados, no entanto, depois que Bumlai foi preso pela PF, em novembro de 2015.
O imóvel foi alvo de busca e apreensão em 2016, após o Ministério Público Federal entender que o depósito dos presentes de Lula havia sido pago com dinheiro de propina da OAS, umas das construtoras investigadas no esquema. À época, a defesa de Lula afirmou que o que havia era uma “relação privada de locação, disciplinada por um contrato”, e que os depoimentos prestados à Procuradoria mostraram que era “fantasiosa” a tentativa de vincular o apartamento a recursos provenientes de contratos da Petrobras.