Como a guerra na Ucrânia pode influenciar as eleições no Brasil
Postura de Lula e Bolsonaro em relação à invasão promovida pelo russo Vladimir Putin pode virar alvo de adversários na corrida presidencial

Maior conflito armado na Europa em décadas, a invasão da Ucrânia pelas forças armadas da Rússia promete alterar o tabuleiro da ordem mundial e influenciar até o debate interno mesmo em países distantes. Os estilhaços da geopolítica mundial já começam a atingir as eleições presidenciais do Brasil, com a cobrança por posicionamento dos pré-candidatos.
A deterioração do conflito pode impactar principalmente os dois principais concorrentes, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que até agora evitaram criticar — e até mesmo citar — o presidente russo, Vladimir Putin, em seus comentários sobre a guerra.
Bolsonaro, que visitou Putin uma semana antes da invasão à Ucrânia, deu duas munições aos adversários. Primeiro, porque disse que a visita tinha como objetivo prestar solidariedade ao país. “Somos solidários com a Rússia”, declarou já no Kremlin, momentos antes de encontrar o líder russo. Depois, tirou fotos do encontro, apertando a mão daquele que em poucos dias se tornaria o vilão da comunidade mundial, amplamente criticado por sua ofensiva militar na Ucrânia.
Depois, o presidente demorou a comentar a invasão. Quando o fez, evitou criticar o governo russo. Disse que era um “exagero falar em massacre” promovido pela Rússia e afirmou que o Brasil iria adotar uma posição de neutralidade no conflito. “Eu vou esperar o relatório (da ONU) para ver como vai ser minha posição. Isso pode trazer sérios prejuízos para a agricultura no Brasil”, argumentou. “Não queremos trazer mais sofrimentos”.
Já Lula e o PT emitiram notas generalistas condenando a guerra, mas não deram nenhuma palavra sobre Putin. “Ninguém pode concordar com guerra, ataques militares de um país contra o outro. A guerra só leva a destruição, desespero e fome”, escreveu Lula no Twitter. A bancada do PT no Senado chegou a publicar — e depois apagar — um post no qual criticava “a agressão à Rússia” pela Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos. Essa, aliás, é uma posição comum entre os petistas: atribuir a ação de Putin a uma reação à atitude dos EUA de tentar atrair a Ucrânia para a Otan.
Usuários nas redes sociais têm associado a omissão ao nome de Putin à tradicional dificuldade do PT em criticar governos autoritários, como os de Cuba e Venezuela — um assunto que embalou a discussão ideológica em torno das eleições de 2018 e, naquela ocasião, acabou favorecendo Bolsonaro.
Os adversários já perceberam que dá para explorar a postura de Lula e Bolsonaro em relação ao conflito. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-juiz Sergio Moro (Podemos), por exemplo, criticaram duramente a invasão e, mais ainda, o posicionamento neutro do governo brasileiro. “Ao não assinar a carta da OEA (Organização dos Estados Americanos) condenando a invasão russa à Ucrânia, Brasil fica ao lado de ditaduras como Cuba e Nicarágua, que também se recusaram a ratificar o documento”, escreveu o tucano. “A ambiguidade do governo brasileiro está errada e o apoio pessoal de Bolsonaro a Putin não representa os sentimentos e os desejos do povo brasileiro”, disse Moro.
Para o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, as candidaturas que tentam se firmar como alternativas a Lula e Bolsonaro são as que mais tendem a faturar no debate ao levar a questão da guerra na Ucrânia para o debate político no Brasil. “Esse tema não deixa de ser, do ponto de vista de estratégia eleitoral, aquilo que pode fazê-los (Doria, Moro, Simone Tebet e Ciro Gomes) diferentes, porque essas candidaturas do centro, nesse ponto, estariam mais afinadas com o que seria o consenso internacional, ao menos em relação ao que pensa o Ocidente”, diz.