Comissão de Anistia: governo troca militares por perseguidos pela ditadura
Durante a gestão Bolsonaro, órgão negou 95% dos pedidos de reparação, inclusive o feito pela ex-presidente Dilma Rousseff

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania publicou nesta terça-feira, 17, uma portaria assinada pelo ministro Silvio Almeida que nomeia os novos integrantes da Comissão de Anistia do governo federal, o órgão responsável por analisar pedidos de reparação de perseguidos políticos pelo estado entre os anos de 1946 e 1988.
O novo governo excluiu os militares que compunham a lista, indicados no governo de Jair Bolsonaro, e escolheu dezesseis nomes que atendem ao critério de “experiência técnica, em especial no tratamento do tema da reparação integral, memória e verdade”.
Uma troca que exemplifica a mudança é a saída do general Rocha Paiva, amigo do coronel denunciado por tortura Carlos Alberto Brilhante Ustra, e a entrada da advogada Rita Sipahi, que por 11 meses ficou presa ao lado de Dilma Rousseff no Presídio Tiradentes, em São Paulo, em 1971, nos anos de chumbo da ditadura militar.
Os outros nomes que integrarão a Comissão são Márcia Elayne Berbich Moraes, Ana Maria Lima de Oliveira, Vanda Davi Fernandes de Oliveira, Prudente José Silveira Mello, José Carlos Moreira da Silva Filho, Virginius José Lianza da Franca, Manoel Severino Moraes de Almeida, Roberta Camineiro Baggio, Marina da Silva Steinbruch, Egmar José de Oliveira, Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto e Mario de Miranda Albuquerque.
A nova presidente da comissão será a professora Enéa de Stutz e Almeida, que coordena o grupo de Justiça e Transição na Universidade de Brasília (UnB).
A Comissão de Anistia não chegou a ser extinta quando a pasta estava sob o comando de Damares Alves, mas, aos olhos do novo ministério, teve o trabalho prejudicado em função de interferência política. Entre 2019 e 2022, o grupo julgou 4.285 pedidos de anistia e indeferiu 4.081 — ou seja, 95%. Entre os negados está o pedido de Dilma, que requereu prestação mensal de 10,7 mil reais mensais pelo prejuízo de ter que se afastar de seu emprego na Fundação de Estatística do Rio Grande do Sul, em meados dos anos 70, e pediu que seja contado para efeito de aposentadoria seu tempo de perseguição, que totalizou em 21 anos.
“Com a missão de reverter a interferência política propagada desde 2019 – no sentido de paralisar os trabalhos do grupo por meio da omissão do Estado brasileiro –, em 2023, o Poder Executivo reitera o compromisso de que os trabalhos a serem realizados pela Comissão de Anistia contarão com transparência e respeito à democracia brasileira”, diz nota divulgada pelo MDHC. Os anistiados também foram citados no aplaudido discurso de posse do novo ministro, Silvio Almeida.
“A ideia do governo anterior foi inviabilizar a Comissão, e isso acarretou em revogação de anistias justas”, afirma a VEJA Nilmário Miranda, que foi nomeado assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do MDHC. “Eu propus ao ministro Silvio que façamos um pente fino em cima dos processos julgados para que um escrutínio técnico revogue os atos indevidos, onde houve indeferimento por razões ideológicas. Além disso, outros 12 mil processos aguardam julgamento”, completa.
O assessor e o ministro também defendem a retomada da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos, que foi extinta no apagar das luzes do governo Bolsonaro. No entanto, a publicação da portaria que a recriará ainda não tem data marcada.