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Bolsonaro deixa prazo chegar ao fim e não regulamenta apostas esportivas

A não publicação do decreto, que estava pronto há meses, significa que mercado bilionário continuará operando sem pagar impostos e sem ser fiscalizado

Por Diogo Magri Atualizado em 13 dez 2022, 15h46 - Publicado em 13 dez 2022, 12h35

O presidente Jair Bolsonaro não assinou o decreto que regulamenta a atividade das apostas esportivas, cujo prazo de validade se esgotou nesta segunda-feira, 12 de dezembro. Com isso, o mercado que gira bilhões de reais anualmente no Brasil permanece com um futuro nebuloso, livre de impostos e, para muitos, caótico.

As apostas esportivas, formalmente conhecidas como apostas de quota-fixa, foram legalizadas a partir da sanção da lei 13.756, em dezembro de 2018, ainda no governo de Michel Temer. A lei estipulava um prazo de dois anos, prorrogável por mais dois, para que a atividade fosse regulamentada. Este é o prazo que venceu nesta segunda.

Desde a legalização, o faturamento anual do mercado saltou de 2 para 15 bilhões de reais. Em 2022, casas de aposta ocupam espaço na televisão, em competições profissionais e nas camisas de grandes times de futebol, além de contratarem ícones do esporte brasileiro como garotos-propaganda. A estimativa é que mais de 500 empresas ofereçam seus serviços no país.

No entanto, todas elas esperam a regulamentação para poderem operar dentro do Brasil. A lei de 2018 diz que, para uma casa de aposta esportiva ter um CNPJ brasileiro, precisaria obter uma licença do Ministério da Economia. Caso contrário, seria punida pela Lei de Contravenção Penal. O preço e os moldes da licença seriam determinados pela regulamentação. Da mesma forma, o decreto também estabeleceria órgãos reguladores da atividade, exigências de monitoramento das apostas contra manipulação de resultados, políticas de combate à lavagem de dinheiro e princípios de jogo responsável — na prática, é o que viabiliza o mercado no país.

Sem a regulamentação, as empresas operam com CNPJs de fora do país, a maioria em offshores, e não utilizam o “.com.br” nos seus sites. Portanto, ao menos na teoria, o dinheiro aplicado pelo apostador sai do país, bem como sua recompensa também vem do exterior. Isso significa que a atividade não é fiscalizada por órgãos brasileiros, que eventuais problemas judiciais não podem ser resolvidos na Justiça brasileira e que as empresas não pagam impostos para a Receita Federal. A estimativa é que, se fosse regulamentada, a atividade poderia arrecadar cerca de um terço do faturamento só em tributação, além da criação de novos empregos e geração de outras receitas. Somente a licença, por exemplo, custaria 25 milhões de reais a cada casa de aposta.

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“A regulamentação só traria benefícios ao Brasil: arrecadação de impostos, geração de emprego, proteção a apostadores e consumidores e segurança jurídica aos operadores de apostas”, diz Udo Seckelmann, advogado especialista no tema.

O decreto com essas regras, bem como uma Medida Provisória complementar, contavam com a aprovação do setor, da Casa Civil e do Ministério da Economia, e estavam prontos há meses esperando a assinatura do Bolsonaro. Primeiro, o presidente adiou a decisão por medo de perder votos evangélicos, normalmente contrários aos jogos de azar, às vésperas da eleição. Mas, mesmo após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente ignorou a regulamentação até o fim da sua validade.

Em tese, não publicar o decreto poderia enquadrar Bolsonaro em crime de responsabilidade, uma vez que a legislação de 2018 estipulava a obrigação da regulamentação, embora especialistas digam que esse tipo de punição é extremamente improvável.

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“A regulamentação também é algo desejado pelos operadores, ninguém rema contra ela. Por isso a negligência do governo é surpreendente”, afirma André Gelfi, sócio diretor do Grupo Betsson no Brasil. “Apenas com a regulamentação é possível atingir um ecossistema de mercado saudável para todas as partes envolvidas no negócio”, acrescenta Marcos Sabiá, CEO da operação do Galera Bet.

Na prática, a não regulamentação significa que o mercado continuará na mesma situação que a atual. As empresas continuarão sediadas no exterior e girando bilhões de reais no Brasil, mas sem passar por fiscalização ou tributação, o que aumenta as chances de golpes, lavagem de dinheiro e manipulação de resultados.

Há ainda, no entanto, uma hipótese de que empresas insistam em operar no Brasil com a justificativa de que a negligência do poder público não pode prejudicar o mercado. Nesse caso, seria preciso uma liminar judicial pedindo a liberação para explorar a atividade em território nacional. Não há como projetar se a liminar seria aceita mas, em caso positivo, a atividade teria que ser regulada pela legislação geral brasileira, como os princípios de publicidade do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e o Código do Consumidor. Inevitavelmente, a ausência de uma aba exclusiva para as apostas esportivas causaria buracos na legislação.

Em resumo, a não publicação do decreto traz ao menos a continuidade de um mercado nebuloso, e abre margem para que a atividade seja explorada de forma ainda mais caótica. Ela não impossibilita, no entanto, que o tema venha a ser regulado no futuro. Ainda que envolva alguma burocracia legal, a expectativa é que a atividade possa ser regulamentada com a edição de um novo decreto, que pode ser feito a partir do início do mandato do presidente eleito Lula.

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