Bolsonarismo pode enfraquecer a bancada evangélica, diz Otoni de Paula
Favorito para assumir o comando da Frente Parlamentar Evangélica defende diálogo com o governo Lula
Favorito para assumir o comando da bancada evangélica a partir do ano que vem, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) afirma que o bolsonarismo “tomou o discurso” conservador e pode acabar enfraquecendo o grupo na Câmara.
Otoni é ligado à Assembleia de Deus e pastor da vertente Ministério Missão Vida. Ele se tornou alvo de bolsonaristas em outubro deste ano, após fazer elogios ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o evento de sanção do Dia Nacional da Música Gospel, no Palácio do Planalto. Na ocasião, afirmou que já foi apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro e crítico do PT, mas admitiu que os evangélicos estão “entre os brasileiros mais contemplados” pelos programas sociais dos governos petistas.
O deputado tem o apoio do atual presidente da bancada evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM), e de outros membros influentes, como Cezinha de Madureira (PSD-SP), ambos da Assembleia de Deus, a maior vertente evangélica do país. Tradicionalmente, o presidente da frente parlamentar é definido em consenso, sem realizar eleição. A ala mais bolsonarista, porém, defende o nome de Gilberto Nascimento (PSD-SP).
“A frente não está a serviço do bolsonarismo e não quer estar a serviço do governo do presidente Lula, apenas abrir esse diálogo republicano a fim de que os políticos da Frente Parlamentar Evangélica não sobrevivam apenas do discurso conservador. Até porque o próprio bolsonarismo já nos tomou esse discurso”, afirma. Leia os principais trechos da entrevista abaixo:
O senhor vai assumir a presidência da Frente Parlamentar Evangélica? Se houver um entendimento dos nossos companheiros, eu assumo sem eleição, conforme tem sido ao longo desses anos. Há dois anos, eu ia ser candidato, mas, para que se mantivesse a tradição de não ter eleição, recuei e houve um mandato alternado entre o deputado Silas Câmara e o deputado Eli Borges. Nada mais natural do que, nesse momento, eu colocar meu nome para essa sucessão. Tendo uma eleição, eu vou para a eleição. Não há nenhuma possibilidade de nós fazermos um novo mandato compartilhado.
Parte dos deputados defende o nome de Gilberto Nascimento para presidir a bancada. É possível haver acordo? Isso é algo que a gente respeita muito. Eu acredito que a gente possa chegar a algum entendimento. Vamos ver.
Caso o senhor assuma esse posto, quais pautas pretende priorizar? A Frente Parlamentar Evangélica precisa continuar com seu papel primordial, manter a defesa das nossas pautas. Mas é muito importante que a gente avance na capacidade de dialogar com o governo. Não foi o que boa parte dos evangélicos escolheu, principalmente da ala mais conservadora da igreja. Porém, eu defendo que precisa entregar políticas públicas. Para isso, precisa ter um diálogo mínimo com o governo. A bancada não está a serviço do bolsonarismo e não quer estar a serviço do governo do presidente Lula, apenas abrir esse diálogo republicano a fim de que os políticos da Frente Parlamentar Evangélica não sobrevivam apenas do discurso conservador. Até porque o próprio bolsonarismo já nos tomou esse discurso. Antes esse discurso era restrito aos deputados ligados à igreja evangélica ou aos católicos mais conservadores. Depois do surgimento do bolsonarismo, qualquer um agora passa a se arvorar sobre essas pautas. Se não tomarmos cuidado, o bolsonarismo vai acabar enfraquecendo a Frente Parlamentar Evangélica numa espécie de autofagia de pauta. É por isso que eu defendo que haja o diálogo republicano, que não significa alinhamento político com o governo.
“A bancada não está a serviço do bolsonarismo e não quer estar a serviço do governo do presidente Lula, apenas abrir esse diálogo republicano”
O senhor não acha que vai encontrar uma certa resistência por parte desses parlamentares mais conservadores? Uma coisa é o eleitor, que é movido por paixões. Outra coisa é o parlamentar, que precisa ser pragmático. Ser pragmático não significa negociar as suas convicções, mas entender que precisa fazer política pública, senão você não vai se manter numa possível reeleição. Se a mente do deputado for tão apaixonada quanto a militância que você vê na população, então ele nem tem capacidade de estar no Parlamento. Mas é claro que nós vamos ter resistência, isso é normal, a gente está polarizado. A Frente Parlamentar Evangélica é grande e não pode ser uma extensão dos interesses do atual presidente ou do ex-presidente da República.
Como o senhor pretende fazer essa aproximação com o governo? Em primeiro lugar, nós precisamos fazer Justiça. Muitas pautas de interesse da comunidade evangélica têm sido contempladas pelo governo do presidente Lula. Tem aí a PEC 5, que amplia a isenção tributária das igrejas. Isso será de uma importância muito grande economicamente e socialmente. A despeito de todas as críticas que nós possamos ter, é graças ao governo do presidente Lula que nós estamos chegando a um entendimento. O presidente Lula sancionou agora o cadastro de estupradores e de pedófilos. Isso é muito importante para nós enquanto políticos de direita, para que possamos proteger as nossas mulheres e crianças.
“Em primeiro lugar, nós precisamos fazer Justiça. Muitas pautas de interesse da comunidade evangélica têm sido contempladas pelo governo do presidente Lula”
O governo também está fazendo esse movimento de aproximação por meio do programa Acredita e de parcerias com igrejas para ampliar o acesso a programas sociais. Como avalia esse tipo de iniciativa? É formidável, maravilhoso, mas tem tudo para não dar certo.
Por quê? O governo comete o erro de fazer essa aproximação através de pastores que, na verdade, já têm um alinhamento ideológico com a esquerda. O governo precisa dialogar com a ala conservadora da igreja. Há um abismo imenso entre o governo Lula e a maioria dos evangélicos, porque são conservadores. É claro que esse abismo é fruto de o governo ficar abraçando as pautas identitárias como se fosse uma bandeira de alta relevância social. As pautas identitárias estão afastando o PT da realidade social. Ao invés de dialogar no varejo com esses pastores aqui do Rio de Janeiro, por exemplo, o governo precisa dialogar com os representantes políticos da igreja, e aí é que entra a Frente Parlamentar Evangélica.