Apenas 10% das delegacias da mulher do país funcionam 24h; veja mapa
Levantamento feito por VEJA mostra que, um ano após a lei, maioria das unidades especializadas ainda não tem atendimento ininterrupto
Quase um ano depois da lei sancionada pelo presidente Lula, apenas 10,2% das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher funcionam 24 horas por dia – de 568, só 56 atendem de maneira ininterrupta. O levantamento foi feito por VEJA com dados fornecidos pelas Secretarias de Segurança Pública e Polícia Civil de todos os estados brasileiros.
A lei promulgada em abril de 2023 prevê o funcionamento ininterrupto de todas as delegacias especializadas, incluindo domingos e feriados. Também determina que os atendimentos sejam realizados em sala reservada e preferencialmente por policiais mulheres.
A maioria das delegacias 24 horas está localizada em capitais e regiões metropolitanas. Em municípios do interior, normalmente o atendimento é realizado em horário comercial, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.
Apenas o Rio de Janeiro e o Distrito Federal mantêm todas as delegacias da mulher em regime integral. São Paulo tem 140 unidades do tipo, mas apenas 11 funcionam de forma ininterrupta. Já em Santa Catarina, nenhuma das 32 delegacias cumpre a lei. O cenário é o mesmo no Rio Grande do Norte, Piauí, Alagoas, Amapá, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Veja no mapa abaixo:
O levantamento considerou apenas as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. Em alguns estados há centrais ou núcleos de atendimento às vítimas, mas esse tipo de estrutura não tem as mesmas exigências legais.
Os estados argumentam que as ocorrências de violência contra a mulher fora do horário de expediente podem ser encaminhadas para as delegacias comuns. Todos os municípios devem ter pelo menos uma delegacia 24h, que atenda a todos os tipos de crime.
Estudiosos ouvidos por VEJA afirmam que nesses locais não há atendimento especializado e que, em alguns casos, as vítimas são até desestimuladas a fazer a denúncia. “Há um atendimento diferenciado nas delegacias especializadas, com qualificação dos profissionais e a preocupação de que esse acompanhamento seja feito por policiais do sexo feminino”, diz Antonia Carneiro, chefe do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Distrito Federal.
Carneiro ressalta que a maioria dos casos de violência contra a mulher ocorre à noite e aos finais de semana, quando boa parte das delegacias especializadas está fechada. “A lei é importante e necessária, mas precisa ser colocada em prática. Para isso necessita de recurso e investimento. É preciso sensibilizar todas as Polícias Civis e órgãos do Poder Executivo para que invistam nessas políticas públicas”, acrescenta.
Apesar do funcionamento 24 das delegacias da mulher ser uma política pública essencial, ela precisa ser somada a outras medidas para reduzir as estatísticas da violência de gênero. De acordo com Juliana Martins, psicóloga e coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é necessário questionar se as Polícias Civis têm efetivo suficiente para manter a delegacia 24h e melhorar a qualidade do atendimento à violência contra a mulher em todas as unidades.
“O policial precisa estar muito capacitado, entender detalhes sobre o ciclo de violência e como lidar com essas mulheres. Me parece que só ter delegacias 24h não resolve a demanda. Continuaremos tendo mulheres indo em delegacias normais e recebendo atendimento desqualificado por causa de profissionais mal capacitados”, afirma a coordenadora.