O erro orçamentário do governador Pezão
Vincular receitas de royalties do petróleo à segurança viola a lógica secular do orçamento
No calor da guerra do tráfico na favela da Rocinha, que mobilizou a Polícia Militar do Rio de Janeiro e as Forças Armadas, o governador Pezão anunciou a criação de um fundo para financiar a segurança pública, constituído de 5% das receitas dos royalties do petróleo a que faz jus o estado. O necessário reforço do orçamento da segurança será feito da pior forma.
Infelizmente, esse tipo de erro tem sido comum há décadas no Brasil. A Constituição veda a vinculação de impostos a gastos, mas ela própria abre exceções para a educação e a saúde. Mesmo que se argumente que royalties não são impostos, a vinculação é inconveniente porque cria rigidez orçamentária. Evitar isso é um princípio aplicável a qualquer receita.
A proibição de vincular impostos foi estabelecida no regime militar, em cujo período apareceu a primeira exceção. Emenda constitucional de autoria do senador João Calmon vinculou 13% dos impostos federais, estaduais e municipais em favor da educação. A Constituição de 1988 manteve a vinculação e a ampliou para 18%. As emendas constitucionais 29 (2000) e 86 (2015) instituíram e ampliaram a vinculação à saúde.
O orçamento público é anual há muitos séculos em todo o mundo. A lógica é permitir a avaliação anual de receitas e despesas e a revisão das prioridades. A vinculação fere essa lógica ao fixar para o futuro uma parcela das receitas para gastos em determinados fins.
Esse tipo de ação costuma gerar desperdícios. Estabelecer uma parcela fixa da arrecadação para certos programas elimina o estímulo à gestão austera dos recursos, pois estes são garantidos. As prioridades podem alterar-se com o tempo, mas a vinculação não permite mudanças e limita a alocação de recursos para novas prioridades. Exemplo: o envelhecimento da população exigirá crescentes recursos em favor dos idosos.
As migrações e a redução da fertilidade das mulheres reduziram o número de crianças em muitos municípios. Apesar disso, as prefeituras continuam gastando 18% de sua receita em educação fundamental. Como os prefeitos cometem crime se não o fizerem, são levados a inventar formas de gastar em atividades que possam ser justificadas como de educação.
As vinculações castram a prerrogativa dos futuros legislativos de alocar os recursos em linha com as prioridades de cada época. Isso porque tudo já terá sido decidido pelos legisladores do passado. No extremo, gastar-se-á 100% ou mais das receitas em itens obrigatórios. O orçamento perde, assim, seu papel essencial de definição de prioridades e, por extensão, de formulação e execução de políticas de desenvolvimento econômico e social.
A vinculação de receitas a despesas tornou o orçamento público brasileiro um dos mais engessados do mundo. É baixa ou nenhuma a capacidade de utilizar a política fiscal como mecanismo de estabilidade econômica e de desenvolvimento. Isso tem provocado ineficiências e, pior, aumentos de receitas para abrigar despesas igualmente prioritárias. Pezão errou.