Um novo jeito de medir a obesidade
A classificação protege os pacientes de expectativas irreais, como perdas de peso inatingíveis. Elas causam frustração, estresse e abandono de tratamento

Cerca de trinta milhões de brasileiros (20% da população adulta) têm obesidade, uma doença crônica, progressiva e recidivante. Esses números elevavam-se a cada ano aqui e no mundo, expondo a falha na prevenção, seja por medidas ineficazes ou, simplesmente, pela ausência total de medidas. O índice de massa corporal de 30 kg/m2 ou mais (IMC = peso (kg)/altura (m)2) é o parâmetro mais utilizado para definir o diagnóstico de obesidade. Embora o IMC tenha suas falhas, pois não avalia composição corporal e nem distribuição de gordura, ele identifica populacionalmente o aumento do risco de mortalidade e de aparecimento ou agravamento de diversas doenças.
Apesar do impacto negativo da obesidade na saúde, ainda reina o senso comum de que a obesidade é o simples resultado de escolhas erradas, de falta de força de vontade e de outros motivos que ficam à margem da ciência. Isso contribui para o agravamento das complicações psiquiátricas da obesidade, como ansiedade e depressão, já que a responsabilização dos pacientes com obesidade pelo seu quadro é o cerne da gordofobia. O preconceito existe com a doença, com o paciente e com o seu tratamento, que não é nada fácil. A perda de peso muitas vezes acontece, mas é difícil de ser mantida em longo prazo e nem sempre é da magnitude sonhada pelo paciente. Este é um aspecto pouco discutido com os pacientes: e se não ficar magro ou atingir o IMC normal? Embora a frustração impere nessas situações, a resposta correta é: tudo bem. Aliás, tudo ótimo! A saúde estará com certeza melhorada, as doenças associadas, ficarão mais longe.
Reduzir o impacto de uma doença crônica na saúde geralmente é feito com o controle da mesma. Um excelente exemplo é o diabetes mellitus, que é monitorado através da hemoglobina glicada, sendo o objetivo um valor menor que 7%. No entanto, são considerados valores normais aqueles abaixo de 5,7%, bem abaixo do alvo do tratamento. Isso porque tanto a redução na hemoglobina glicada quanto valores no alvo reduzem o risco das complicações. Isso é exatamente o mesmo que acontece quando uma pessoa com obesidade perde peso: mesmo sem atingir o tal IMC normal, ela melhora o controle das doenças associadas ou se distancia delas.
Nesse alinhamento, recentemente a Associação Brasileira para o Estudo de Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) propuseram uma nova classificação para a obesidade, utilizando o IMC, mas considerando também o maior peso que a pessoa já atingiu. De uma forma simplificada quem atingiu peso para o grau mais leve de obesidade (classe 1 – IMC entre 30 e 34,9 kg/m2), e perde 5% do peso ou 10% do peso, a nova classificação mantém a obesidade classe 1, mas será considerada reduzida ou controlada, respectivamente. Para quem tem obesidade classe 3 (IMC ≥ 40 kg/m2), a obesidade será reduzida ou controlada com perdas de 10% e 15%, respectivamente. E por que isso? É simples. Pequenas perdas de peso, como 5%, já trazem benefícios, como melhora da depressão, e perdas maiores como 10% e 15% podem levar à remissão de diabetes e reduzir a mortalidade, por exemplo.
Essa nova classificação, além de nortear um alvo no tratamento da obesidade para pacientes e profissionais, protege-os de expectativas irreais, como objetivos de perdas de peso inatingíveis, que são causas comuns de frustração, estresse, abandono de tratamento e recidiva de peso. Afinal, é bom lembrar que nenhum tratamento cura a obesidade, mas é possível viver melhor com ela controlada.
