Tipo de dor de cabeça é novo fator de risco para AVC em jovens
Pesquisa aponta quadro de enxaqueca como principal fator de risco não tradicional para acidentes vasculares cerebrais entre adultos jovens

A enxaqueca com aura é uma condição que se caracteriza, principalmente, pela presença de sintomas visuais ou sensoriais que antecedem a dor de cabeça em si. Embora menos comum que a enxaqueca sem aura, é o tipo mais associado pelos estudos hoje a riscos neurológicos, incluindo o de AVC (acidente vascular cerebral).
Uma pesquisa recém-publicada no importante periódico Stroke mostra que a enxaqueca com aura é o principal fator de risco para AVCs sem explicação em pessoas entre 18 e 49 anos.
O trabalho examinou a relação de diversos fatores com a ocorrência de AVC isquêmico de origens desconhecidas – o problema ocorre com a obstrução de uma artéria que acaba impedindo a passagem de oxigênio para as células cerebrais.
Os pesquisadores avaliaram fatores de risco tradicionais (hipertensão, diabetes, colesterol alto, tabagismo, obesidade, consumo de álcool, doenças cardiovasculares, estresse e depressão) e não tradicionais, isto é, aqueles que têm sido cada vez mais reconhecidos como contribuintes para AVCs (enxaqueca com aura, histórico de trombose, uso de drogas ilícitas, câncer e condições crônicas que afetam vários sistemas do corpo).
Foram avaliados também fatores específicos do sexo feminino, como diabetes gestacional e outras complicações da gravidez.
No estudo, metade dos participantes tinha sofrido AVCs sem explicação, enquanto a outra metade serviu como controle. E parte dos participantes ainda apresentava uma condição cardíaca congênita fortemente associada a ocorrência de AVCs conhecida como forame oval patente (FOP), em que a abertura entre os átrios do coração não se fecha após o nascimento.
Assim, observou-se que, enquanto fatores de risco tradicionais estavam mais fortemente associados a ocorrência de AVC em participantes sem FOP, os fatores não tradicionais estavam mais relacionados a ocorrência de AVC em pessoas com FOP. Segundo os pesquisadores, os fatores de risco tradicionais explicam cerca de 65% dos casos de AVC isquêmico criptogênico em pessoas sem FOP, enquanto os fatores não tradicionais correspondem a 27% dos casos.
Já na presença de FOP, o cenário se inverte e os fatores de risco não tradicionais são os principais culpados, correspondendo a 49% dos casos contra apenas 34% dos fatores tradicionais.
Ao avaliarem cada fator de risco individualmente, os cientistas identificaram que a enxaqueca com aura é o principal fator não tradicional associado a AVCs. Porém, o motivo ainda precisa ser estudado.
É possível que esse risco aumentado tenha a ver com efeitos da enxaqueca no organismo, como alterações nos vasos sanguíneos, maior chance de formação de coágulos e mudanças no funcionamento do cérebro. Além disso, existe uma relação entre enxaqueca e a presença de FOP, que também está fortemente associado a ocorrência de AVCs, conforme destacado pelo estudo.
A análise é relevante por reforçar a importância de se dar atenção aos fatores de risco não tradicionais para AVCs, como a enxaqueca com aura, que são muitas vezes ignorados. A grande questão é que, frequentemente, os fatores de risco tradicionais são ausentes ou menos evidentes em jovens adultos.
Então, reconhecer fatores de risco específicos associados a ocorrência do AVC pode mudar a maneira como rastreamos a doença e orientamos os pacientes, assim ajudando a prevenir o problema. No caso da enxaqueca, por exemplo, é fundamental encaminhar o paciente para receber o tratamento adequado.
* Tiago de Paula é neurologista, membro da Sociedade Internacional de Dor de Cabeça e da Sociedade Brasileira de Cefaleia e médico do Headache Center Brasil, em São Paulo