Relâmpago: Digital Completo a partir R$ 5,99
Imagem Blog

Letra de Médico

Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Orientações médicas e textos de saúde assinados por profissionais de primeira linha do Brasil

Tão perto e tão longe: avanços e desafios na fronteira contra o câncer

Como vencer o desafio dos altos custos e do abismo do acesso para todos nos tratamentos oncológicos mais dirigidos e com mais chance de cura?

Por Fernando Moura*
25 abr 2025, 08h00

A medicina está muito perto de passar por transformações significativas em suas formas de tratar o câncer, com tratamentos cada vez mais precisos, dirigidos e eficazes. O diagnóstico molecular não é mais uma opção. Ele se tornou essencial para a personalização da jornada de cuidado do paciente oncológico. Essa individualização não se limita ao estudo do genoma humano. Conhecimentos avançados em transcriptoma e proteômica (ramos da biologia molecular que analisam proteínas no sangue e que podem estar relacionadas aos tumores e ajudariam a complementar o diagnóstico e o critério de prognóstico) deverão fazer parte da prática clínica, o que amplia as possibilidades terapêuticas trazendo mais esperança para os pacientes.

Essa revolução em curso ficou evidente durante o Precision Medicine World Conference (PMWC) 2025, congresso médico realizado recentemente no Vale do Silício, nos Estados Unidos, que reuniu os maiores especialistas do mundo em medicina de precisão. Ali, foram apresentados avanços que já estão mudando o cenário do tratamento do câncer. Porém, nos deparamos com um desafio urgente no Brasil. Como garantir que esses avanços cheguem ao SUS, onde os pacientes ainda não têm acesso nem mesmo à imunoterapia, uma técnica praticada há pelo menos 10 anos na saúde suplementar brasileira?

Foram inúmeros os avanços apresentados no congresso do PMWC 2025. A oncologia de precisão avança em frentes eficientes. Entre as principais inovações, destaco a química bioortogonal, abordagem inovadora que permite reações químicas dentro do organismo sem interferir nos processos biológicos naturais. Essa tecnologia abre caminho para a ativação de medicamentos alvo ainda mais direcionados para os tumores. Outro destaque foi o sequenciamento ultrarrápido de DNA e RNA, com resultados em 24 Horas. Os avanços no sequenciamento de nova geração (NGS) estão permitindo que o perfil molecular de um tumor seja analisado em apenas 24 horas, possibilitando decisões terapêuticas muito mais ágeis e precisas. Isso representa um enorme salto para a medicina personalizada, pois reduz drasticamente o tempo entre diagnóstico e início do tratamento.

A força da Inteligência Artificial

Modelos avançados de inteligência artificial (IA) estão revolucionando a categorização patológica do câncer, permitindo análises automatizadas de biópsias que melhoram a precisão dos diagnósticos e ajudam a definir o tratamento ideal para cada paciente. A IA pode detectar padrões sutis nas células tumorais que escapam à análise humana, garantindo diagnósticos mais rápidos e confiáveis. Também o score de risco proteômico aparece como uma nova abordagem para prognóstico. A ferramenta analisa a expressão de proteínas associadas ao câncer e calcula o risco de progressão da doença. Esse tipo de biomarcador permite uma personalização ainda maior do tratamento, indicando quais pacientes podem se beneficiar de terapias mais agressivas e quais podem evitar tratamentos desnecessários.

Este admirável mundo novo nos anima e ao mesmo tempo nos desperta sentimentos contraditórios. Como médicos, estudamos, criamos estratégias de tratamento, trabalhamos pelo bem estar e a recuperação de nossos pacientes. É animador assistir a essa revolução tecnológica em benefício da cura em frentes diversas, contudo o desafio da democratização do acesso nos aflige e nos frusta. Como levar essas tecnologias para o Sistema Único de Saúde? Apesar do enorme potencial dessas inovações, a realidade do Brasil ainda está distante desse cenário.

Continua após a publicidade

Logo depois de tomar conhecimento das novidades no Congresso no Vale do Silício, representando o Brasil como um dos cinco médicos brasileiros presentes no congresso americano de medicina de precisão, estive na sequência em Belém do Pará para um seminário organizado pela Oncoguia, entidade de apoio aos pacientes oncológico. O contraste entre as duas imersões foi gigante. A frustração como médico também. O abismo é imenso, já sabemos. Os desafios na região amazônica são grandes. E eles se estendem às extensões continentais de todo o País. Com todos os esforços para a implementação de uma política nacional de prevenção e controle do câncer, a equidade é muito distante da realidade. No SUS, que tem méritos louváveis apesar de todas as dificuldades, a imunoterapia – que já faz parte do tratamento padrão para vários tipos de câncer nos sistemas de saúde dos países desenvolvidos – ainda não está disponível para a maioria dos pacientes no país, para citar um exemplo. O mesmo acontece com os testes genéticos para personalização do tratamento, que seguem restritos ao sistema privado nacional.

A implementação da medicina de precisão no SUS enfrenta barreiras estruturais e econômicas graves e este ponto de atenção se estende também a saúde suplementar. O alto custo dessas tecnologias e a necessidade de infraestrutura adequada para seu uso são desafios que precisam ser superados e enfrentados com políticas públicas e decisões governamentais. Além disso, a formação de profissionais capacitados para interpretar dados genômicos e utilizar ferramentas de IA na prática clínica ainda é um gargalo no Brasil.

Os prognósticos da Organização Mundial de Saúde de que o câncer ultrapassará as doenças cardiovasculares em incidência e mortalidade até 2040 é conhecido há anos. Mas, como a emergência climática, as medidas para a reversão deste cenário são insuficientes. O PMWC 2025 mostrou que a oncologia de precisão não é mais uma promessa distante. Ela já está transformando a vida de pacientes ao redor do mundo. Mas, para que esses benefícios alcancem a população brasileira, é crucial investir em infraestrutura, formação profissional e políticas públicas que facilitem a integração dessas tecnologias no SUS. Isso sem falar das necessidades do sistema de saúde suplementar. Precisamos de políticas públicas que incentivem a adoção dessas tecnologias no SUS e de programas de capacitação para os profissionais de saúde. Sem isso, continuaremos vivenciando uma desigualdade inaceitável no acesso a tratamentos oncológicos. A medicina de precisão tem o poder de revolucionar o combate ao câncer. Agora, o nosso maior desafio é garantir que esse futuro seja acessível a todos – e não apenas a uma parcela privilegiada da população.

*Fernando Moura, oncologista clínico e gerente médico do Programa de Medicina de Precisão do Hospital Albert Einstein

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.