Se a mata queima, a pele coça
As queimadas são muito mais do que uma questão de aquecimento global e impacto ambiental. Elas têm se tornado um problema dermatológico

Um dado do INPE, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, mostrou que, na Amazônia, houve 28.060 focos de queimadas em agosto de 2021, número bem acima da média histórica para o mês, e o terceiro maior desde 2010. Retrato semelhante ocorreu nos diversos biomas brasileiros, como Mata Atlântica, Cerrado, Pampas e Caatinga – nessa, o acumulado desde o início de 2021 já ultrapassou o dobro do número de queimadas registradas em todo 2020.
Porém, um recente trabalho científico, publicado na prestigiosa revista JAMA Dermatology, mostrou que as queimadas são muito mais do que uma questão de aquecimento global e impacto ambiental: têm se tornado um problema dermatológico.
Nesse estudo, realizado em um hospital universitário de San Francisco, Califórnia, entre outubro de 2018 e fevereiro de 2019, avaliaram-se 8.049 visitas dermatológicas de 4.147 pacientes. Independentemente da idade, e mesmo a 281 quilômetros do epicentro das queimadas, a poluição ambiental transitória produzida levou a um aumento de visitas por crises de dermatite atópica e prurido (“coceira”), em comparação ao mesmo período de 2015 e 2016, quando não houve grandes queimadas na região.
Esse dado nos assusta. Na realidade, ele mostra que as intensas queimadas brasileiras, provocadas pelo interesse financeiro do agronegócio, não só trazem prejuízos ao biossistema, mas, também, podem esvaziar aos cofres da saúde pública. Na costa oeste americana, por exemplo, elas são queimadas espontâneas, ocasionais e devidas à seca sazonal. Esse prejuízo é ainda mais pesaroso quando percebemos que estamos em uma pandemia, com os hospitais públicos abarrotados por doentes graves internados pelo Covid-19, que necessitam de toda verba pública disponível. Na nossa triste realidade brasileira, a verba da saúde pública deveria ser melhor centralizada para causas de difícil controle, mas não àquelas facilmente previsíveis e contornáveis. Nossas queimadas adoecem a Natureza e o homem! Como profissionais da saúde, esse dado dói mais na alma do que no nosso bolso de contribuinte porque nos deixa ainda mais impotentes.
De fato, a especulação sobre a relação maléfica da poluição ambiental e a saúde cutânea já vem de longa data, mas, até então, tinha um apelo mais cosmético. Na última década, estudos mostraram que a poluição liberada pelos escapamentos dos carros, rica, entre outras coisas, em dióxido de nitrogênio, está associada ao envelhecimento cutâneo prematuro (manchas e rugas). Isso é piorado quando essa poluição se associa à radiação ultravioleta. Há pouco tempo, surpreendeu-nos o dado de que ambientes ricos em ozônio pioram o surgimento de rugas. Logo, o ozônio natural, aquele que envolve a Terra e é facilmente destruído pela poluição, foi colocado naturalmente ali na quantidade certa, nem a mais, nem a menos, para nos proteger. Mais um dado que comprova quão sábia e exata é a Natureza: a reposição artificial de ozônio, se fora possível, poderia causar mais mal que bem à pele.
Por fim, esse artigo não é uma ode contra a modernização. Ele é, apenas, uma forma de chamar atenção à interferência humana desmedida na natureza, a qual precisa ser repensada, e decisões lógicas precisam ser tomadas. Progresso é fundamental e bem-vindo, desde que de forma consciente. O dinheiro produzido a qualquer custo não deve ser esvaído para tapar erros básicos. Um sistema de saúde rico é excelente; pobreza é gastar com doenças básicas, descontroladas por falta de gestão e policiamento governamentais.
