Sarampo: um retorno silencioso
Pediatra alerta para o recrudescimento da infecção no país com a cobertura vacinal insuficiente
Infelizmente, a vacinação da população brasileira tem estado aquém das metas propostas pelo Ministério da Saúde, e isso já vem acontecendo há alguns anos. O grande perigo desse fenômeno é assistir à volta ou ao descontrole de infecções passíveis de prevenção via imunização.
Em 2012, tivemos um aumento significativo de casos de coqueluche no Brasil, o que levou à morte de várias crianças, particularmente lactentes jovens, tendo seu pico máximo de ocorrência em 2015. Os episódios começaram a cair novamente após campanhas vacinais, imunização das gestantes a partir da vigésima semana de gravidez e também da implementação de reforços vacinais a cada dez anos contra a doença. Mas seguimos encontrando casos por aí – o que se deve à cobertura vacinal insuficiente.
Em 2016, recebemos, da Organização Mundial da Saúde (OMS), o selo de erradicação do sarampo no território nacional. Surpreendentemente, em 2018, foram diagnosticados casos de sarampo em Roraima, por onde a doença retorna ao país…
Mas só pôde voltar porque o sarampo, disseminado na Venezuela naquele momento, encontrou nos vizinhos (ou seja, no nosso país), pessoas suscetíveis, não vacinadas. Daí o surto se reiniciou.
Durante a pandemia de coronavírus, tivemos vários óbitos causados pelo sarampo em crianças e adultos, mas a atenção voltada para outra demanda não permitiu que a população percebesse o retorno dessa doença ao Brasil. Vale lembrar que a vacina do sarampo cobre também rubéola e caxumba, sendo que estas da mesma forma estão sorrateiramente regressando.
O sarampo é uma doença infecciosa aguda, viral, transmissível, extremamente contagiosa e muito comum na infância. Os sintomas iniciais apresentados pelo doente são: febre acompanhada de tosse persistente, irritação ocular e coriza nasal.
Após essas manifestações, aparecem máculas avermelhadas no rosto, que começam na raiz dos cabelos e progridem em direção caudal, com duração mínima de três dias. Além disso, a infecção pode causar otite, pneumonia, diarreia, desidratação, convulsões, encefalite e morte. Tudo isso por ação do vírus.
A transmissão ocorre diretamente, de pessoa a pessoa, geralmente por tosse, espirros, fala ou respiração, o que facilita o contágio. Além das secreções, também é possível se contaminar por meio da dispersão de gotículas com partículas virais no ar, que podem perdurar por tempo relativamente longo no ambiente, especialmente em locais fechados como escolas e clínicas.
A doença é transmitida na fase em que a pessoa apresenta febre alta, mal-estar, coriza, irritação ocular, tosse e falta de apetite, e dura até quatro dias após o aparecimento das manchas vermelhas. O período de contágio, portanto, é longo.
A única forma segura de prevenção é a vacinação. Apenas os lactentes cujas mães já tiveram sarampo ou foram vacinadas possuem, temporariamente, anticorpos transmitidos pela placenta, que conferem imunidade geralmente ao longo do primeiro semestre de vida, o que é pouco tempo. Os principais grupos de risco são as pessoas de seis meses a 39 anos de idade.
O esquema vacinal vigente prevê as seguintes doses de vacina contra o sarampo: entre seis e 11 meses – indicada nas localidades que mantêm a circulação ativa do vírus do sarampo, como atualmente no estado de São Paulo e, quando há elevada incidência da doença em crianças menores de um ano de idade; uma dose da tríplice viral ou SCR (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola) aos 12 meses de idade e uma dose da tetra viral ou SCRV (contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela) aos 15 meses de idade.
Além delas, existe ainda a vacinação de bloqueio que deve alcançar todos os contatos do caso suspeito que não sejam imunizados, a partir de seis meses de idade, exceto gestantes e pessoas com sinais e sintomas de sarampo. Deve ser realizada de maneira seletiva na suspeita, preferencialmente no prazo máximo de até 72 horas após a notificação do caso.
Complementam ainda as estratégias de controle as campanhas vacinais, a intensificação da vacinação, uso de imunoglobulina em casos seletos e também a vacinação de bloqueio já citada.
Ainda assim, para que a doença pare de circular pelo país, precisamos ter 95% da população vacinada, o que, entretanto, é uma realidade distante. Para tal, os pediatras e demais profissionais de saúde precisam atentamente fazer busca ativa das carteirinhas desatualizadas e trabalhar em prol da conscientização da população sobre a necessidade de modificar essa triste realidade, atormentada por um patógeno potencialmente mortal.
Só assim poderemos em breve sermos novamente chamados de país com a doença erradicada de seu território nacional.
* Joelma Gonçalves Martin é pediatra, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu e embaixadora da Inspirali na área da saúde da criança