Por que os médicos devem passar por um exame semelhante ao da OAB
Presidente da Associação Paulista de Medicina defende criação de prova para egressos das faculdades a fim de qualificar formação e assistência no país

A Saúde brasileira enfrenta um grande desafio: a má formação médica. A qualidade nem sempre adequada dos cursos de medicina no país já impacta o sistema de saúde e o atendimento aos pacientes. Uma das principais causas desse fenômeno é a educação oferecida atualmente pelas escolas de medicina, que por vezes parecem prezar mais pela quantidade de matriculados do que pela qualidade de ensino.
Para mitigar o problema, a aplicação de um exame ao término da faculdade, apelidado de a “OAB dos Médicos” pela semelhança com a prova aplicada aos advogados, foi discutida entre os senadores nesta semana em Brasília. O projeto de lei (PL), que já tinha sido aprovado na Comissão de Educação e Cultura, passará.por uma audiência pública após a Páscoa.
A ideia é que a proposta passe a valer um ano após sua eventual aprovação, apenas para novos egressos dos cursos de medicina. O exame vai avaliar diferentes competências, em âmbitos teóricos e práticos. A prova seria de responsabilidade do Conselho Federal de Medicina (CFM) e a aplicação ocorreria por meio dos CRMs responsáveis por cada jurisdição.
O projeto determina que os resultados sejam comunicados aos Ministérios da Educação e da Saúde pelo CFM, sendo vedada a divulgação nominal das avaliações individuais, que serão fornecidas apenas aos próprios participantes.
Atualmente, há mais de 400 escolas médicas espalhadas pelo território nacional, a segunda maior quantidade do mundo – só fica atrás da Índia, nação que tem uma população mais de seis vezes maior que a brasileira.
Somente nos últimos dez anos, foram colocados em funcionamento 190 estabelecimentos de ensino médico, número igual ao de escolas abertas ao longo de dois séculos.
Mas a imensa maioria das novas faculdades não atende a critérios básicos para a formação do aluno, como a existência de leitos do SUS para a prática médica, programas de residência, hospital de ensino e corpo docente qualificado – já que não há o tempo necessário para a qualificação, levando em conta que, ao todo, a formação em medicina, englobando graduação, residência e especialização (mestrado ou doutorado), costuma levar entre dez e 12 anos, em média.
A abertura de inúmeros cursos é irresponsável, pois formam-se aproximadamente 40 mil jovens todos os anos, e só há vagas para 20 mil residentes. Nesse cenário, muitos formandos nem buscam fazer residência, seja pela alta concorrência, baixa remuneração ou necessidade de pagar o financiamento estudantil ao término do curso, levando-os a começar a trabalhar rapidamente para quitar suas dívidas, em vez de aprimorar seus conhecimentos.
O governo também contribui com o sucateamento do ensino da medicina ao ceder à pressão econômica de grandes grupos educacionais, autorizar o funcionamento de cursos privados de má qualidade junto ao programa Mais Médicos e interferir na Comissão Nacional de Residência Médica para aumentar, de forma inconsequente, o número de “especialistas”.
Se essa tendência continuar, estima-se que, em 2035, o Brasil terá mais de 1 milhão de médicos, segundo a pesquisa Demografia Médica no Brasil. No entanto, isso não garantirá médicos para todos: a distribuição dos profissionais continuará desigual, concentrada em grandes centros. Formar mais médicos, e não melhores médicos, apenas levará ao declínio da qualidade do atendimento à população.
Um médico com formação ruim onera o serviço de saúde como um todo, pois pode demorar mais para chegar a um diagnóstico e até mesmo solicitar exames desnecessários, o que gera altos custos tanto para o indivíduo quanto para o sistema, desperdiçando recursos.
Em meio a circunstâncias tão graves, a melhor forma de minimizar suas consequências seria aplicar um exame de proficiência obrigatório para egressos das escolas de medicina, nos moldes do realizado para futuros advogados.
O Exame Nacional de Proficiência em Medicina visa balizar o conhecimento adquirido pelo médico durante a graduação. O projeto de lei foi criado para garantir que os atendimentos médicos continuem sendo feitos com qualidade, visto que o número de profissionais formados está cada vez maior e a qualidade do ensino questionável.
A Associação Paulista de Medicina (APM) defende capacitar os estudantes e acompanhar a qualidade da formação médica que, nos últimos anos, vive uma grave crise.
* Antonio José Gonçalves é cirurgião e presidente da Associação Paulista de Medicina (APM)