Pobreza de tempo, a nova doença feminina
A escassez de tempo e a renda mais baixa das mulheres as predispõem a uma atitude negligente com a própria saúde
Há, de fato, uma relação entre mulheres e pobreza: a vida das mulheres em posição marginalizada na sociedade é muito mais difícil do que da população em geral e tal condição aumenta a incidência de transtornos mentais neste grupo.
Uma realidade comum em todos os continentes é que mulheres despendem quantidade expressiva de horas do seu dia em atividades de trabalho não remunerado com os cuidados da casa e dos dependentes da família. Garotas entre 10 e 14 anos gastam, em média, 50% a mais de tempo auxiliando nos afazeres domésticos do que garotos de mesma idade. Mulheres adultas gastam entre 2 e 3,4 vezes mais horas por dia em trabalhos não remunerados em comparação aos homens. Mesmo com o aumento da participação feminina na força de trabalho, a atividade doméstica continua majoritariamente sob sua responsabilidade. A alocação desigual do trabalho doméstico não remunerado, baseada no gênero, representa uma dupla obrigação para as mulheres que também participam da renda familiar, deixando-as com pouco ou nenhum tempo para si. A este fenômeno denominamos pobreza de tempo.
A escassez de tempo e a renda mais baixa predispõem a uma atitude negligente com a própria saúde. São justamente as mulheres pobres que buscam menos os serviços de saúde em comparação à população geral. Isso implica maior descontrole de doenças crônicas, a não realização de exames preventivos, além de comprometimento do acompanhamento pré-natal de seus filhos.
Há também, pela falta de tempo e renda, maior tendência ao surgimento de hábitos alimentares não saudáveis e ausência de práticas esportivas e de lazer. Tais atividades estão associadas com a formação da identidade do indivíduo e de sua autoafirmação perante toda a sociedade. Quando presentes, auxiliam na capacidade da pessoa em lidar com períodos de estresse e geram ganhos de produtividade no trabalho e nas relações interpessoais.
Distúrbios mentais podem surgir em qualquer pessoa a qualquer momento da vida, mas o adoecimento mental não é distribuído de forma equitativa e sua prevalência varia entre grupos sociais. Para nenhuma surpresa são as mulheres em condição social precária quem sofrem mais de distúrbios da mente. Um estudo durante a pandemia da COVID-19, por exemplo, demonstrou que o impacto na saúde mental neste período foi maior na população feminina marginalizada. Os níveis de ansiedade considerados lesivos tiveram aumento de 88% e da vivência de estresse, aumento de 30%. Também identificou-se que 70% dessas mulheres relataram escassez de alimentos no período e houve aumento da probabilidade de apresentarem episódios depressivos. São achados que sugerem que os efeitos adversos à saúde mental durante a pandemia variaram dependendo da vulnerabilidade socioeconômica e das vivências traumáticas entre os diferentes grupos.
A pobreza tem um ciclo perverso de reforço da dinâmica de exclusão do indivíduo e que afeta o destino das futuras gerações, sendo tanto agente causal como consequência do adoecimento mental. Se não reconhecermos quão dura é a realidade destas mulheres em nossa sociedade e intervirmos para que saiam da posição marginalizada seremos cúmplices desta famigerada sina.
Referências
- Hyde E, Greene ME, Darmstadt GL. Time poverty: Obstacle to women’s human rights, health and sustainable development. J Glob Health. 2020;10(2):020313.
- Parra-Saavedra M, Miranda J. Maternal mental health is being affected by poverty and COVID-19. The Lancet. 2021; https://doi.org/10.1016/ S2214-109X(21)00245-X
- Elliot, I. (June 2016) Poverty and Mental Health: A review to inform the Joseph Rowntree Foundation’s Anti-Poverty Strategy. London: Mental Health Foundation