Os filhos na cama dos pais: benefício ou problema?
Estudos não mostram benefícios nem malefícios para as crianças em dividir a cama com os pais. Mas para o casal, pode não ser uma boa ideia fazer isso sempre
Esses dias me peguei repetindo para mais uma família no consultório que eles deveriam retirar o filho de quatro anos da cama deles pelos riscos dos malefícios ao desenvolvimento emocional futuro do rebento! O menino dormia com os pais três vezes por semana. Aconselhamento quase consensual entre profissionais de saúde mental da infância!
Fiquei pensando: eu repito isso há duas décadas, mas onde eu vi alguma evidência para essa afirmativa? Não consegui lembrar. Fui vasculhar o tema. Surpresa! É impressionante a quantidade de “experts” ditando regras num vazio de qualquer evidência mais clara!
Bom, o assunto começa há longo tempo atrás! Bíblia, livro dos Reis, capítulo 3, versículo 19: “Certa noite esta mulher se deitou sobre o seu filho, e ele morreu.” O assunto é controverso, mas parece haver uma associação entre coleito no primeiro ano de vida do bebê e maior risco de morte súbita por esmagamento ou sufocação.
A Associação Americana de Pediatria, no seu último posicionamento de 2016, deixa claro: os bebês devem compartilhar o quarto dos pais no primeiro ano de vida, mas não a mesma cama em função desse risco. Porque controverso? Porque não está claro se esse risco não se restringe aos pais com uso de substâncias ou fumantes, e porque pode haver benefícios do coleito para bebês também. Por exemplo, a associação entre coleito e aumento do tempo de amamentação é clara na literatura. Entretanto, associação, como já discutimos inúmeras vezes, não é sinônimo de causalidade.
Voltamos ao exemplo clássico: usar isqueiro no bolso está fortemente associado ao câncer de pulmão, mas ninguém sai por aí dizendo que usar isqueiro no bolso causa câncer de pulmão! É possível que mulheres que estejam mais propensas a amamentar por mais tempo também encarem o coleito com maior naturalidade.
Tipos de coleito
A nossa questão é outra: há problema emocional? E, estamos focados em crianças maiores, dos três anos ao início da idade escolar que estejam dormindo com os pais. Qual a frequência disso? Um estudo na Suíça encontrou que quase 40% das crianças de 4 anos e 20% das de 8 anos tinham coleito com seus pais pelo menos uma vez por semana. Sabe-se que o coleito é ainda mais frequente em países em desenvolvimento, como o nosso. Assim, a professora Ina Santos da UFPEL encontrou que 24% das crianças de 6 anos tinham coleito com seus pais na coorte de nascimentos de 2004 em Pelotas.
A primeira questão a ser delimitada é de que coleito estamos falando? Existe o coleito intencional, aquele que parece ser uma opção dos pais, e o reativo, aquele que ocorre por dificuldades da criança (medo de dormir sozinha, dificuldade no sono) ou do casal (evitar compartilhar intimidade). Estudos correlacionais indicam que a satisfação conjugal é, como seria de se esperar, menor nos últimos que nos primeiros.
Há problema emocional?
A literatura sobre problemas emocionais, comportamentais e de sexualidade em crianças que dormem com os pais entre 3-8 anos é pequena e de baixa qualidade metodológica. Então, com essas ressalvas, o que ela nos conta? Os estudos, na sua imensa maioria, não mostram qualquer problema. Pelo contrário, um dos estudos indicou que adultos do sexo masculino que dormiram com os seus pais quando tinham de 0 aos 5 anos apresentam melhor autoestima, menos indicativos de ansiedade e maior frequência de relações sexuais do que aqueles que não praticavam coleito.
Uma exceção é o estudo longitudinal de Pelotas, mencionado acima. As crianças que mantinham coleito persistente até os 6 anos de idade apresentavam mais problemas de saúde mental que aquelas sem coleito. Uma limitação desse estudo foi que não se mediu problemas de saúde mental nas crianças antes dos 6 anos. Assim, os problemas emocionais e/ou comportamentais precoces podiam estar levando tanto ao coleito e aos problemas de saúde mental mais tarde.
Vamos ao melhor dado disponível, embora infelizmente também com alguns problemas metodológicos. Estudo longitudinal de 18 anos acompanhando crianças que tiveram e não tiveram coleito com os pais. Intensidade do coleito avaliado em entrevistas com as mães aos 5 meses, 3, 4 e 6 anos. Resultado? Aos 18 anos, nem benefícios, nem malefícios em termos de problemas de saúde mental, uso de drogas, sexualidade ou qualidade de relacionamentos. Na avaliação dos 6 anos, escore cognitivo levemente maior para aquelas que praticaram coleito.
Como diria a professora de Terapia de Família, Olga Falceto, a criança só pode ser avaliada no contexto da família. Logo, temos que ver como esse coleito, mesmo que intencional, repercute na vida do casal. Nesse sentido, um estudo inicial desse ano avaliou o sono de casais heterossexuais com boa relação em duas situações experimentais: dormindo sozinhos e em conjunto. Todos os marcadores amplamente favoráveis ao casal dormindo junto! Como entra uma criança nessa cama? Não encontrei estudos, mas alguns pais relatam noites nada fáceis espremidos contra os filhos numa cama que, como diz o nome, seria de casal!
Resumindo, a partir de amanhã entro no consultório não mais “crucificando” casais que mantêm os filhos na sua cama por decisão própria, e não reativa, em algumas noites da semana. Nem sugerindo falsos fantasmas futuros para aqueles pais exaustos e culpados que, ás vezes, não conseguem ter forças para levar os filhos de volta para a cama deles em algumas noites!
Os que estão usando o (a) filho(a) para manter a distância entre si, ou usam o coleito como única solução para resolver medos ou dificuldades de sono dos seus filhos, bom, aí a história é diferente. Temos opções melhores!
Quem faz Letra de Médico
Adilson Costa, dermatologista
Adriana Vilarinho, dermatologista
Ana Claudia Arantes, geriatra
Antonio Carlos do Nascimento, endocrinologista
Antônio Frasson, mastologista
Artur Timerman, infectologista
Arthur Cukiert, neurologista
Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião
Bernardo Garicochea, oncologista
Claudia Cozer Kalil, endocrinologista
Claudio Lottenberg, oftalmologista
Daniel Magnoni, nutrólogo
David Uip, infectologista
Edson Borges, especialista em reprodução assistida
Fernando Maluf, oncologista
Freddy Eliaschewitz, endocrinologista
Jardis Volpi, dermatologista
José Alexandre Crippa, psiquiatra
Ludhmila Hajjar, intensivista
Luiz Rohde, psiquiatra
Luiz Kowalski, oncologista
Marcus Vinicius Bolivar Malachias, cardiologista
Marianne Pinotti, ginecologista
Mauro Fisberg, pediatra
Miguel Srougi, urologista
Paulo Hoff, oncologista
Paulo Zogaib, medico do esporte
Raul Cutait, cirurgião
Roberto Kalil, cardiologista
Ronaldo Laranjeira, psiquiatra
Salmo Raskin, geneticista
Sergio Podgaec, ginecologista
Sergio Simon, oncologista