Os casos de doenças inflamatórias intestinais estão crescendo. Que fazer?
Com a campanha Maio Roxo, de conscientização sobre doença de Crohn e retocolite ulcerativa, especialistas resumem os principais pontos sobre as condições

As doenças inflamatórias intestinais (DIIs) vêm ganhando espaço nas estatísticas de saúde pública brasileiras. Segundo dados obtidos pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) com o Ministério da Saúde, houve um crescimento de 61% nas internações por essas enfermidades no país nos últimos dez anos. Entre 2015 e 2024, foram registrados mais de 170 mil atendimentos hospitalares por conta dessas doenças no Sistema Único de Saúde (SUS).
Esses números preocupam a classe médica e reforçam a importância da campanha Maio Roxo, realizada anualmente pela SBCP para alertar sobre as DIIs, cujo dia mundial de conscientização é celebrado em 19 de maio. Ao longo do mês, a entidade divulga conteúdos em suas redes sociais para esclarecer dúvidas sobre sintomas, diagnóstico e tratamento.
As DIIs incluem principalmente dois protótipos: a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. Ambas se caracterizam pela inflamação do trato gastrointestinal e afetam, em sua maioria, adolescentes e adultos jovens. Na doença de Crohn, a inflamação pode acometer qualquer parte do sistema digestivo, da boca ao ânus, enquanto na retocolite ulcerativa, o foco é no intestino grosso (cólon e reto). Além disso, as camadas afetadas também diferem: enquanto o Crohn atinge todas as camadas da parede intestinal, a retocolite inflama apenas a mucosa, uma camada mais superficial do trato gastrointestinal.
Ainda não se sabe ao certo a causa das DIIs. A ciência aponta para uma origem multifatorial, envolvendo predisposição genética, alterações imunológicas e fatores ambientais. No entanto, já há evidências claras sobre alguns agravantes, como o tabagismo na doença de Crohn.
Epidemia silenciosa
Segundo o levantamento realizado pela SBCP com dados do Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde, de 2015 a fevereiro de 2025, foram registradas 173.886 internações motivadas por doenças inflamatórias intestinais. O estado de São Paulo lidera o ranking, com 25.175 internações, seguido por Maranhão (19.130), Minas Gerais (15.850) e Rio Grande do Sul (11.951). Podemos observar que as internações por DII se concentram em capitais e em regiões urbanas e industrializadas.
Embora o Brasil ainda não tenha números oficiais consolidados sobre a prevalência das DIIs, um estudo publicado em 2022 na The Lancet Regional Health – Americas analisou dados de mais de 212 mil pacientes do SUS entre 2012 e 2020. A pesquisa mostrou que a prevalência dessas doenças aumentou em média 15% ao ano no período, atingindo a marca de 100 casos por 100 mil habitantes, com maior incidência nas regiões Sudeste e Sul do país.
Sintomas e manifestações não se restringem a intestino
Os sintomas das DIIs são variados e muitas vezes confundidos com outras condições gastrointestinais. Entre os mais comuns estão:
Diarreia crônica, com ou sem presença de sangue, muco ou pus;
Dor abdominal;
Urgência para evacuar;
Falta de apetite e perda de peso;
Fadiga intensa.
Casos mais graves podem evoluir para complicações como anemia, obstrução intestinal e processos infecciosos. E os problemas não se limitam ao intestino. Pode haver ainda manifestações em outros órgãos, como artrites, dermatites e uveítes (inflamação nos olhos).
Diagnóstico e tratamento
Diagnosticar uma DII exige abordagem ampla, que envolve análise clínica, exames laboratoriais, endoscópicos (com colonoscopia e endoscopia), podendo haver necessidade de complementar a investigação com exames radiológicos, tais quais a tomografia e ressonância magnética. Como ainda não há cura definitiva, o tratamento é focado em controlar os sintomas e atingir uma remissão da inflamação, isto é, minimizá-la a ponto de não ser mais detectada em exames laboratoriais ou endoscópicos.
O tratamento das DIIs requer ainda mudanças no estilo de vida, como ingestão de alimentos mais saudáveis e ricos em fibras, não fumar e praticar atividade física. O paciente com DII precisa ainda de acompanhamento com médico especialista para avaliar que classe medicamentosa é mais adequada para cada paciente – entre os medicamentos disponíveis atualmente, temos aminossalicilatos como a mesalazina; imunossupressores como a azatioprina; e uma série de imunobiológicos, que têm como alvo segmentos específicos do processo inflamatório intestinal.
Já podemos ver também alguns estudos promissores com novas terapias no tratamento dessas doenças. No congresso deste ano da American Society of Colon & Rectal Surgeons, realizado de 10 a 13 de maio na Califórnia, por exemplo, foram apresentados alguns trabalhos sobre o uso de células-troncos no tratamento de DIIs. Pesquisas têm mostrado o benefício dessas células na redução da inflamação e regeneração dos tecidos.
Apesar do avanço em opções terapêuticas, o aumento nas internações, como apontamos acima, revela que ainda há um caminho a ser percorrido no diagnóstico e manejo da doença.
Tecnologia a favor dos pacientes
Uma novidade importante no acompanhamento das DIIs é a chegada da versão brasileira do IBD Disk, ferramenta visual que permite ao próprio paciente avaliar o impacto da doença em sua rotina – o resultado desse trabalho foi publicado no periódico Arquivos de Gastroenterologia. A análise é feita por meio de dez itens — como dor abdominal, sono, energia, emoções, imagem corporal, atividade sexual, entre outros — e cada um recebe uma pontuação de 0 a 10. Isso ajuda a guiar a conversa com o médico, ajustar tratamentos e monitorar a evolução da doença.
Com o crescimento de internações e prevalência das DIIs no Brasil, o alerta é claro: atente-se aos sinais do seu intestino e busque atendimento com um especialista para diagnóstico precoce e adesão ao tratamento adequado.
* Lucas de Araujo Horcel, membro da Sociedade Brasileira de Colopro; Ana Sarah Portilho, diretora de comunicação da Sociedade Brasileira de Coloproctologia; Rogério Serafim Parra, membro da Sociedade Brasileira de Coloproctologia; Sergio Eduardo Alonso Araujo, presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia