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O futuro nos atropelou: precisamos de ações para enfrentar a demência

Um ano após a aprovação da Lei Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Demência, geriatra defende que as ideias precisam sair do papel com urgência

Por Celene Queiroz Pinheiro de Oliveira*
6 jun 2025, 14h00

O Brasil é conhecido como o país do futuro. Essa máxima repetida inúmeras vezes acaba por influenciar o ideário nacional. A população brasileira e seus gestores ainda vivem sob a ilusão da juventude, tentando a todo custo parecerem mais jovens, frequentando clínicas de estética, e os gestores muitas vezes ainda se restringem a focar em políticas de saúde materno-fetal e redução da mortalidade infantil.

Embora as políticas voltadas à saúde materno-infantil sejam essenciais e tenham alcançado resultados notáveis, é imprescindível reconhecer que essas conquistas também trouxeram novos desafios. O envelhecimento da população brasileira é reflexo direto do sucesso dessas medidas, como o controle de doenças infectocontagiosas e a redução da mortalidade infantil.

De acordo com o censo do IBGE de 2022, o número de pessoas com mais de 65 anos no Brasil alcançou 22.169.101, representando 10,9% da população total. Esse número cresceu 57,4% em relação a 2010, quando correspondia a 7,4%. Em contrapartida, a população infantil diminuiu 12,6% no mesmo período. O futuro que antes parecia distante já chegou e exige atenção imediata.

As questões do envelhecimento populacional têm sido historicamente negligenciadas. No Plano Plurianual do SUS, não existe nenhuma prioridade no quesito saúde do idoso. Em relação às demências, o cenário é extremamente preocupante, e as tendências para o futuro ainda mais.

Estimativas do Consenso Delphi 2024 apontam que há 2,46 milhões de brasileiros com demência, uma prevalência de 8,5% das pessoas com mais de 65 anos, e esse número tende a aumentar para cerca de 9 milhões em quatro décadas, com variações nas diferentes regiões: Sul (7,3%), Norte (8,9%), Nordeste (10,1%).

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Como seria de esperar em um país tão grande e diverso como o nosso, o aumento exponencial de casos ocorrerá principalmente em regiões de baixo e médio desenvolvimento socioeconômico, onde o acesso à saúde e educação é menor. Isso representa uma verdadeira questão de saúde pública, impactando o indivíduo, a família e toda a sociedade ao redor da pessoa afetada.

Há um ano, o Brasil teve a sanção presidencial da Lei nº 14.878/2024, a Lei Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Demência. Essa legislação, que vinha sendo construída desde 2017 e recomendada pela OMS como parte do “Plano Global de Ação para uma resposta de saúde pública à demência”, teve a participação de vários segmentos da sociedade, com a fundamental relatoria do Senador Paulo Paim. Sem dúvida, uma grande conquista para a sociedade brasileira, mas é insuficiente.

Para que essa questão seja devidamente enfrentada, é essencial ir além da simples existência de uma lei; é necessário colocá-la em prática por meio de um plano nacional abrangente e eficaz. Esse plano deve contemplar a complexidade do problema, estruturando estratégias que sejam capazes de abarcar diversas frentes.

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Entre essas ações, destacam-se a promoção de iniciativas preventivas, o aumento do acesso ao diagnóstico precoce, a capacitação das equipes de saúde para reconhecerem casos suspeitos e oferecerem tratamento adequado, além da educação da população sobre as demências e o impacto que causam.

É igualmente fundamental que se estabeleçam medidas de apoio aos cuidadores, garantindo que possam oferecer assistência de qualidade, enquanto o Estado assume um papel mais ativo e presente ao longo de toda a jornada de cuidado.

Mais da metade dos casos de demência poderia ser evitada ou ter seu início prorrogado com atitudes de prevenção. O Brasil, que é referência mundial em programas de combate ao tabagismo, controle e prevenção de hipertensão e diabetes, além do programa nacional de imunizações, deve usar essa vocação para trazer esses programas com enfoque nas demências, reduzindo drasticamente o crescimento do número de casos.

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O principal fator de risco para demências no nosso país é a baixa escolaridade, superando até mesmo a idade. Portanto, um programa eficaz de enfrentamento deve abordar o combate ao analfabetismo e à evasão escolar.

Isso se repete em várias outras áreas, demonstrando a necessidade de um trabalho interministerial abrangente, envolvendo Fazenda, Previdência, Mulheres, Ciência e Tecnologia.

O Brasil tem papel de destaque na ciência internacional no campo das doenças neurodegenerativas, com uma produção científica de extrema relevância. O incentivo aos estudos científicos nacionais possibilita entender melhor nossa realidade, considerando fatores étnicos peculiares à grande diversidade da população brasileira e que interferem no diagnóstico e tratamento.

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A invisibilidade e o preconceito com o tema envelhecimento e suas correlações, como as demências, e a sensação equivocada de que essa é uma condição que só afeta países distantes estão deixando a população brasileira vulnerável a uma questão que pode se tornar dramática se não tiver uma abordagem bem estruturada. Estamos sendo atropelados por esse futuro que todos pensam estar distante, mas que já chegou.

* Celene Queiroz Pinheiro de Oliveira é médica geriatra, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) e vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz) 

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